terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Evolução: um tique taque molecular

por Leandro Pereira Tosta
Universidade Federal do ABC
e-mail: leandropereiratosta@gmail.com

Recentemente, foi divulgado pela revista Nature a descoberta do fóssil de um representante dos dinossauros voadores (Darwinopterus modularis) que estaria situado cronologicamente no Período Jurássico, juntamente aos mais raros pterossauros e os mais conspícuos pterodactiloides, cerca de 200 milhões de anos atrás.Como se pode saber que esses animais existiam há tanto tempo? Além da inferência da idade das rochas em que foram encontrados os fósseis, há outras ferramentas para isso?

Para desenvolvermos tal raciocínio, deveremos nos debruçar mais tecnicamente sobre assuntos relacionados à “biomutagênese” e suas características.A evolução leva à diversidade das espécies. A variabilidade genética (variabilidade entre espécies) pode ser observada a partir de mudança da codificação original das posições de nucleotídeos que se ligam e formam os ácidos nucléicos. O promotor dessa “mudança” é a mutação gênica.

Figura 01- Ácido nucléico.

A idéia de que substituições alélicas (inserções, deleções e inversões) de sequências de nucleotídeos ocorrem em intervalos mais ou menos regulares de tempo esteve presente desde o surgimento dos primeiros modelos criados para explicar a evolução molecular. Quando duas ou mais sequências homólogas de nucleotídeos apresentam tamanhos diferentes, pode-se inferir que, durante a história evolutiva dessas sequências, ocorreram inserções ou deleções de nucleotídeos. As substituições são denominadas “indels” [inserção (Figura 02) ou deleção(figura 03)], pois muitas vezes não se pode inferir com certeza qual era o nucleotídeo na condição ancestral (Calcagnotto, 2001).

Figura 02- Mutação por Inserção.

Figura 03- Mutação por Deleção.

As mutações geradoras de substituições são as “transições” (quando uma purina (A,G) se transforma em outra purina ou uma pirimidina (C,G) se transforma em outra pirimidina) e “transversões” (quando uma purina se transforma em pirimidina ou o contrário) como na seguinte figura.

Figura 04- Transições e Transversões.

Quando se têm mutações nas regiões de codificação do genoma (exons), tais mutações são classificadas como “sinônimas” ou “não sinônimas”.

As substituições sinônimas ocorrem mais frequentemente que as não sinônimas e são responsáveis pela transformação de um nucleotídeo por outro que leva a uma expressão equivalente (codificação dos mesmos aminoácidos). Tais substituições geralmente são neutras.

As substituições não sinônimas são aquelas que levam às expressões diferentes daquela anterior à mutação. Nesse caso, as proteínas formadas podem ter novas funções, mas, no geral estas têm maior potencial deletério (levando à morte do indivíduo) como na figura 05.

Figura 05- Mutações Sinônimas e Não Sinônimas.

Ao se comparar uma amostragem de material genético a fim de detectar (por comparações) mutações, devem-se considerar as possíveis naturezas “degeneradas” do código genético (Calcagnotto, 2001). A maioria dos 20 aminoácidos é codificada por mais de um códon (figura 06).

Figura 06- Tabela mostrando códigos degenerados.

A amostragem retirada de uma proteína em estrutura terciária também pode influenciar nas taxas de substituição de nucleotídeos. Diferentes regiões da estrutura terciária (Figura 07) de uma proteína apresentam taxas evolutivas diferentes (Calcagnotto, 2001).

Figura 07- Estrutura Terciária de uma proteína.

Para regiões não codificadoras, os dados a respeito de substituições de nucleotídeos são bem menos abundantes. Comparando-se taxas de substituições de nucleotídeos entre essas sequências e os sítios degenerados (no caso 4x degenerados), onde todas as substituições são sinônimas, os valores são cerca de 50% maiores nos últimos.

Nem todo DNA dos eucariontes está armazenado no núcleo. Algumas organelas contêm DNA próprio (os cloroplastos nas plantas e as mitocôndrias, nos organismos com respiração celular). Tanto os genes das mitocôndrias como os dos cloroplastos somente codificam as proteínas necessárias para a manutenção de suas funções e para expressão gênica (há pequenas regiões não codificadoras) (Calcagnotto, 2001).

As taxas de substituições sinônimas em vertebrados são relativamente altas (5,7x10-8 /sítio/ano) (Brown et al., 1982). A alta taxa de substituição de nucleotídeos pode ser devida de uma alta taxa de mutação que poderia estar sendo causada pelo excesso de resíduos metabólicos, pela baixa fidelidade na replicação das mitocôndrias e pela ausência de um mecanismo de reparo (Li e Graur, 1991; Li, 1997).

Por fim, dada a fórmula “r = K/2T”, onde “r” é a taxa de substituição de nucleotídeos, “K” o número de substituições moleculares por sítio entre duas sequências homólogas e “T” o tempo de divergência (Li, 1997), comparando-se a quantidade de substituições de nucleotídeos em algumas proteínas e o tempo de divergência de algumas espécies, no exame de táxons cada vez mais distantes (Calcagnotto, 2001), pode-se se montar uma escala cronológica e, dessa forma, inferir as idades de surgimento dos grupos biológicos durante a história evolutiva do planeta.

Referências
Calcagnotto, D., Taxas de evolução e o relógio molecular, p.51-61, 2001.
Ji, Q. et al., Transition fossil, NATUREVol 46,122, 2009.
Ridley, M., Evolução, 3a ed., 2006.
Stearns & Hoekstra, Evolução uma introdução, 1999.

Fonte das Figuras
Figura 01:
http://scienceprofonline.googlepages.com/dna_cpk_lg_wiki.jpg/dna_cpk_lg_wiki-full.jpg
Figura 02:
www.intelihealth.com/i/I/InsertionMutationGEN.gif
Figura 03:
www.intelihealth.com/i/D/DeletionMutationGEN.gif
Figura 04:
http://chemistry.gravitywaves.com/CHEMXL153/GeneticsImages/DNAMutationRepair/TransitionTransversion.gif
Figura 05:
http://www.answersingenesis.org/tj/images/v18/i3/mistakes_fig1.gif
Figura 06:
http://farm2.static.flickr.com/1394/1208438396_5080ffeda8.jpg
Figura 07:
http://www.mse.ncsu.edu/yingling/wtTelomerase_pseudoknot.gif

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Monte e a figueira

Anna Carolina Russo

Universidade Federal do ABC.

Richard Dawkins (nascido em 26 de março de 1941) aprendeu zoologia na Inglaterra e lecionou na Universidade da Califórnia e em Oxford – aposentou-se atualmente da cadeira de compreensão pública da ciência, da Universidade de Oxford. É um grande evolucionista e escritor de divulgação científica, criador de diversos termos como os “memes” e “gene egoísta”. Em seus escritos, Dawkins tenta rebater argumentos fundamentalistas de alguns religiosos para os quais a evolução apresentada por Darwin e aceita pelo meio científico é abusivamente improvável de acontecer.

Em vista de acabar com esses argumentos, Dawkins escreveu seu livro “A escalada do monte improvável: uma defesa da teoria da evolução”, em que são apresentados diversos cenários evolutivos para os animais, incluindo alguns feitos em programas de computadores como o “Netspider”, usados para ver a evolução das teias de aranhas. Seu livro gira em torno de uma metáfora central: uma figueira no alto de um monte. Este monte representaria a evolução de todos os animais, com cada pico representando seu grau de complexidade evolutivo. No cume está localizada a figueira (falaremos sobre ela no final desta resenha).



Logo no primeiro capítulo, Dawkins já insere conceitos como mimetismo, evolução convergente e seleção artificial, todos seguidos de exemplos curiosos presentes na natureza. Um dos mais interessantes, sobre mimetismo, conceito que se refere à forma na qual uma determinada espécie pode evoluir ficando muito parecida a uma outra espécie, fala do besouro Coatonachthdes ovambolandicus. Esta espécie de besouro mimetiza um cupim por viver entre eles – sua “fraude” dá-se através da presença de uma espécie de capa que cobre seu corpo, muito semelhante à do cupim verdadeiro, Amitermes hastatus.


Dawkins explica a evolução convergente através de alguns exemplos de animais que evoluíram independentemente uns dos outros, mas alcançaram resultados parecidos. No capítulo “Alçando vôo”, ele comenta sobre a evolução dos animais até chegarem ao vôo. Alguns animais, como aves, morcegos e pterossauros, conseguiram alcançar os céus de forma independente uns dos outros. O mesmo vale para o formato hidrodinâmico de alguns mamíferos (golfinhos), peixes (como o marlim azul), répteis (como o Ichtiosaurus) e aves (como o pingüim de Galápagos), todos com nadadeiras e uma espécie de bico alongado. Esses atributos foram adquiridos independentemente pois os organismos são de famílias diferentes. Eles já haviam se separado ao longo da história evolutiva, caminhando para picos diferentes do monte Improvável, porém chegando a resultados parecidos.

O homem pode também interferir nessa seleção fazendo com que espécies cheguem a resultados que ele mesmo escolheu consciente ou inconscientemente. Esse é o conceito de seleção artificial. Um exemplo clássico da seleção artificial são as diversas raças de cachorros existentes hoje, que foram selecionadas a partir do cruzamento entre animais com características marcadas. Desta forma, com o passar das gerações, essas características foram se acentuando cada vez mais, até chegar às raças conhecidas.

Caminhos da evolução
Para entender melhor os caminhos tomados pela evolução, cientistas inventaram programas de computadores que aceleram hipoteticamente o desenvolvimento evolutivo das espécies. Da mesma forma que a seleção natural, definida por Charles Darwin como a pressão imposta pela natureza que selecionará os mais aptos, com atributos vantajosos que levam à reprodução diferencial e à perpetuação da espécie, os cientistas programam qual será a condição no qual a espécie virtual continuará a se desenvolver, gerando descendentes. Além disso, é definida uma taxa de mudanças por gerações que seriam as próprias mutações gênicas. No final de muitas gerações, que podem acontecer em uma fração de segundos, os cientistas obtêm como resultado a espécie resultante que seria a mais bem adaptada para perpetuar seus genes.

Esta forma de pesquisa é muito relevante para entender o processo das mutações. Isso porque, através dos estudos com esse tipo de programa, percebeu-se que mesmo com pequenas mudanças nos biomorfos, como são chamados os organismos virtuais, acontecia grandes mudanças ao longo das gerações que foram selecionadas a partir do que o programador estipulou nas condições iniciais. Portanto, se compararmos com a verdadeira evolução dos animais, percebe-se que pequenas mudanças genéticas podem levar a grandes transformações futuras, porém essas mudanças são graduais e levam certo tempo para que se fixar na população pois são passadas através das gerações e selecionadas de acordo com as imposições do ambiente.

Uma grande polêmica que é discutida pelo autor é a questão da aleatoriedade das mutações, isso por que algumas pessoas não conseguem entender como o homem conseguiu chegar à tamanha complexidade (em vários dos seus sistemas) através do puro acaso. Segundo Dawkins, as mutações são aleatórias no sentido de não serem direcionadas para o aperfeiçoamento. No entanto, a seleção natural tem o papel de filtrar e direcionar essas variações genéticas oferecidas pelas mutações. Portanto, se a teoria evolutiva fosse somente sustentada pelas mutações gênicas, ela seria baseada no puro acaso, porém, como ela trabalha juntamente com a seleção natural, ela passa a conter também um componente não aleatório.

Bernard Kettlewell fez uma pesquisa sobre as mariposas pretas e brancas, na qual exemplifica muito bem a relação das mutações e a seleção natural. Kettlewell verificou que existiam mariposas da cor preta e branca que viviam no mesmo ambiente (na Inglaterra pré-revolução industrial). As pretas acabavam sendo mais expostas por não conseguirem se camuflar, sendo predadas mais rapidamente. Isso fazia com que existissem mais mariposas brancas que pretas. Porém, após a revolução industrial, os troncos das árvores passaram a ser mais escuros por conta da poluição, o que facilitou a camuflagem das mariposas pretas. Desta forma as, mariposas pretas conseguiram aumentar sua população em relação às brancas, que começaram a ter mais dificuldades para sobreviver aos predadores. As mutações ocorriam sem um direcionamento específico, já que, em um primeiro momento, existiam tanto mariposas brancas quanto pretas. Mas a seleção natural agiu sobre essa população diversa, fazendo com que fosse direcionada uma característica específica através da sobrevivência diferencial das mariposas pretas.


Macroevolução

Algumas características podem surgir através de mutações inesperadas. Essas macromutações, assim chamadas por Dawkins, podem acelerar ou até mesmo facilitar a “construção” de organismos mais complexos. Um exemplo vem da comparação do número de vértebras das girafas e das cobras: basta uma pequena modificação no embrião em desenvolvimento para quadruplicar o tamanho das vértebras do pescoço de uma girafa, porém ela continua tendo sete vértebras; uma cobra, por sua vez, possui cerca de duzentos a trezentas vértebras, que foram incorporadas ao longo de sua evolução através de alguma macromutação.

É válido notar que a evolução sempre caminhará rumo aos picos do monte e nunca voltará para seus vales para tomar outro caminho. Essa argumentação já fora feita por Sewall Wright e agora é retomada por Dawkins, aliás, a própria metáfora do monte, segundo Dawkins, foi originária de Wright. O que eles querem dizer é que, se um grupo de mamíferos já conquistou a terra a partir da evolução de seus pulmões e se, por algum motivo, alguma linhagem tiver que voltar a viver nas águas, ela não vai voltar a ter brânquias assim como seus ancestrais possuíam. Provavelmente, essa espécie continuará respirando o ar atmosférico através de seus pulmões e para isso nadará até a superfície, como acontece com as baleias.

Apesar de sua teoria ter grandes repercussões, Darwin se intrigava com certas questões de difícil explicação, como a complexidade dos olhos. Causava-lhe arrepios pensar que este órgão chegou a um elevado grau de complexidade por causa da seleção natural. Por isso, Dawkins separou um capítulo só para explicar sobre o mecanismo dos olhos dos animais: a grande maioria evoluiu independentemente. Existem muitos tipos de olhos desde o tipo orifício, como o dos seres humanos, até os olhos compostos de alguns insetos. Ele explica que a evolução dos olhos pode ter acontecido de forma que cada modificação em uma célula fotoreceptora fosse tão importante para a sobrevivência que uma mínima mudança nessa estrutura já tornava aquela espécie mais apta para passar seus genes aos seus descendentes. Isso pode ter levado à alterações significativas do olho ao longo das gerações.


A figueira

Onde a figueira se encaixa nas explicações sobre a evolução?

O figo, na verdade não é uma fruta, apesar de sempre olharmos ela como tal. Ele é uma inflorescência (conjunto de flores), assim como o girassol não é uma única flor, mas sim um conjunto delas localizadas em seu centro. As flores do figo estão posicionadas em seu interior – estas flores são polinizadas por vespas que chegam ao seu interior através de um orifício na extremidade inferior do figo. Dawkins considera a relação entre o figo, ou o “jardim murado” assim chamado por ele, e a vespa como o ponto mais alto da realização evolutiva. Isso porque o relacionamento entre eles envolve uma dura e árdua tarefa de polinização por parte das vespas, que leva a sua mutilação e a caminhos tortuosos a serem enfrentados. Apesar de tudo, essa relação não envolve deliberação e nem qualquer tipo de inteligência, pois a vespa possui um minúsculo cérebro e a figueira não tem nada parecido com um. Para Dawkins “tudo isso é produto de um ajuste fino darwiniano inconsciente em cuja intrincada perfeição não deveríamos crer se não estivesse diante de nossos olhos”.


Bibliografia:
Dawkins, R, A escalada do monte improvável: uma defesa da teoria da evolução, 2006.


Fonte das figuras:
Fig. 01: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOTUpfpUYu45WSHB7FTBd78gxU4rk2mcyY7hY8TrrVswvAbK00VC0JDCBWZH3B9hbEwI2dhruCeVqzIfisVV5LWydn5iGAyWorkUJhgBmfgqzFfSLE-LYrTHAR62Q8v4idGJ_1hErKeoo/s400/P%25C3%25B4r%2520do%2520sol%2520e%2520montanhas.jpg
Fig. 02: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEju84k8-obChytOvA33Z8Kdp7PAilf25U1g__tiR0lLhVbDerw17_-lrQerKWkq0DSYFYlys34EUEY235C0-sOpl6BgLjKyQ1d37c81k9R_cUj-co7fQ8V4sOhy7LUb-ntVre96hkni7Trc/s400/Morcego+-+Asas.jpg
Fig. 03: http://www.petpetisco.com/upload/useruploads/images/Raças+de+cachorros.jpg
Fig. 04: http://bellsblog.files.wordpress.com/2009/05/figo.jpg

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A grandiosa complexidade da vida

por Leandro Pereira Tosta
Universidade Federal do ABC
e-mail: leandropereiratosta@gmail.com

A grandeza natural

As populações mendelianas são conservativas quando não se encontram sob seleção, porém, sob forte seleção, elas podem rapidamente produ
zir combinações de genes que são, em uma primeira impressão, extremamente improváveis (Hoekstra e Stearns, 1991). Mas qual a dimensão dessa improbabilidade? Quais são os mecanismos responsáveis pela grandiosa multiformidade da natureza? Essas são algumas das questões que Richard Dawkins (1986) discute em sua obra “O Relojoeiro Cego”, assim como a questão do desígnio divino e da evolução das espécies à luz do darwinismo.

Para nossa discussão, devemos inicialmente refletir sobre a engenhosidade da formação dos seres vivos em relação às obras consideradas de altíssima complexidade tecnológica desenvolvidas pela inteligência humana.


Consideráveis aperfeiçoamentos na aviação se
deram desde o 14-Bis, criado por Santos Dumont no início do século XX, devido principalmente às guerras ocorridas no mundo. O ápice do avanço na velocidade de um avião tripulado se dá com o modelo SR-71 “Blackbird” (Fig. 1) do exército norte americano, cuja velocidade ultrapassa em três vezes a velocidade do som (mais rápido que um míssil). Para se colocar em prática o projeto “Blackbird” foram gastos bilhões de dólares, muitos anos de pesquisa no desenvolvimento da tecnologia e dedicação de dezenas de cientistas.

Figura 1 - SR-71 Blackbird

Seria quase inacreditável imaginar que em um curto espaço de tempo fosse possível a decolagem do primeiro avião até o surgimento de modelos tão velozes quanto uma bala de revólver se não houvesse os conhecimentos acumulados pelo homem. Na biologia, as coisas não são muito diferentes. É preciso olhar mais criticamente a natureza ao nosso redor e analisar quão improvável é a formação de um ser vivo e as circunstâncias que levam à diversidade de espécies no planeta.


Acredita-se que o primeiro “passo” da vida deu-se nos oceanos, que eram verdadeiros caldos de compostos químicos reunidos em decorrência da quiralidade (polarização entre cargas elétricas) molecular e de condições físicas específicas (temperatura, composição atmosférica, choques mecânicos e descargas elétricas) por um processo aleatório, dispondo aminoácidos em ordens passíveis de originar proteínas e, em um momento posterior, a vida em si. Como é possível que um evento como a origem da vida, em meio a uma incrível improbabilidade, tenha ocorrido? Vamos exemplificar essa improbabilidade através de um cenário hipotético.As 31 letras em THEREISGRANDEURINTHISVIEWOFLIFE (“Há grandeza nesta visão da vida”) podem ser comparadas a uma sequência de 31 genes (cada letra, um gene), com 26 versões diferentes possíveis (cada gene pode assumir 26 letras distintas, A, B, C etc.). Se a evolução posicionasse tais sequências de maneira completamente aleatória, ela teria de selecionar entre 26³¹ (7,31 x 1043) diferentes combinações possíveis de letras até chegar à sequência certa (Dawkins, 1986). Diante desse número, fica fácil mostrar como a evolução NÃO tem apenas um componente aleatório.

Em organis
mos vivos, a seleção natural provoca o aumento da freqüência de combinações gênicas favoráveis, e a replicação acurada tanto das moléculas quanto nas populações (Ewens, 1993). Nas palavras de Dawkins (1986), “A seleção natural, processo cego, inconsciente e automático que Darwin descobriu e que agora sabemos ser a explicação para a existência e para a forma aparentemente premeditada para de todos os seres vivos, não tem nenhum propósito em mente. Ela não tem nem mente nem capacidade de imaginação. Não tem nem visão nem antevisão. Se é que se pode dizer que ela desempenha o papel de relojoeiro da natureza, é o relojoeiro cego”.

Evolução, transformismo e desígnio divino

O pensamento cientificista a partir do século XIX passa a valorizar ainda mais a discussão de conceitos sobre a vida. Esforços de grandes cientistas se deram a fim de questionar a crença criacionista. Desde então, a ciência tem procurado compreender o ser vivo como parte inerente da natureza, sem considerar o sobrenatural.

É no século XIX que surge a biologia evolutiva, que não prevê a existência de um desígnio divino para explicar a natureza.
Evolução significa mudança, mudança na forma e no comportamento dos organismos ao longo das gerações. As formas dos organismos em todos os níveis, desde a sequência de DNA até a morfologia macroscópica e o comportamento social, foram modificadas a partir dos seus ancestrais durante a evolução (Ridley, 2006). Nesse sentido encaixa-se a frase “nada na biologia faz sentido exceto à luz da evolução” (Dobzhansky, 1973).

As três principais idéias quanto à origem da vida são: evolução, transformismo, e criacionismo. Na evolução, todas as espécies têm uma origem comum e podem mudar ao longo do tempo. No transformismo, as espécies têm origens separadas, mas podem mudar. No criacionismo, as espécies têm origens separadas e não mudam (Ridley, 2006).

O exemplo dos felinos

A saga dos felídeos sobre a terra, segundo o evolucionismo, começou na Ásia. A primeira grande radiação (derivação) moderna desse grupo teria ocorrido há 10,8 milhões de anos, com o surgimento da linhagem Panthera da qual fazem parte o leão, a onça, o leopardo e o tigre. Na América do Sul, esse grupo chegou há cerca de 2,3 milhões de anos (Antunes et al., 2006). O evolucionismo constrói um cenário em que a linhagem Panthera é fruto de derivações, seleções e adaptações de organismos já existentes (ancestrais comuns).

Segundo o transformismo, os representantes da linhagem Panthera se originaram independentemente a partir da matéria inanimada e “evoluíram”, tendendo ao aumento da complexidade morfológica, a partir da influencia da geografia local. O principal representante do transformismo foi o naturalista francês Lamarck. A teoria transformista não explicava satisfatoriamente a semelhança morfológica entre indivíduos considerados grupos irmãos pelo darwinismo, que deteriam características comuns. Hoje, pelo desenvolvimento da engenharia genética, comparando-se dados moleculares, sabe-se que o transformismo é uma teoria refutada e caída em desuso.

As idéias criacionistas para explicar a origem da linhagem Panthera pressupõem duas vertentes (Ridley, 2006): os felinos domésticos (Felis catus) (Fig. 2) forma pré-concebidas a partir de um desígnio divino e não sofreram modificações ao longo dos anos, assim como os demais felinos. A teoria criacionista pode ser colocada em xeque ao se indagar a seguinte questão: se o Felis catus tem origem no “início” dos tempos, juntamente com todos os outros animais, por que são encontrados fósseis muito antigos, com centenas de milhões de anos, de grupos como artrópodes, e não de felinos? Ou ainda, como explicar a incrível semelhança genética e morfológica entre os representantes das várias linhagens? Como se pode observar, a teoria do desígnio divino traz incoerências muito fortes (Dawkins, 1986).

Figura 2 - Felis catus (gato doméstico).

Explicando a evolução Stearns & Hoekstra (1999) salientam que “para explicar a evolução das histórias da vida, devemos combinar informações de quatro fontes: demografia, genética quantitativa, trocas (tendendo ao equilíbrio) entre desempenho e custo energético e cladística”. A demografia conecta a variação específica de tamanho e de idade à variação do desempenho com relação à sobrevivência e à fecundidade, referindo-se à seleção natural sobre os traços da história da vida. Consideremos, por exemplo, uma população de formigas. A faixa etária “ótima” para a reprodução dessa formiga é X semanas. Porém, se uma doença ou maior pressão de um predador assolar o formigueiro, a resposta evolutiva diminui a faixa etária de reprodução para X-Y (onde Y é o tempo necessário que pode representar dias ou até semanas, para não se extinguir tal população, e é orientado pela seleção natural).

Traços poligênicos quantitativos (alterações nas estruturas dependendo da herdabilidade) relacionam resposta forte à seleção quando há grande herdabilidade. Tal fato é compreendido com a ajuda da genética quantitativa. Um exemplo é dado por Yoo (1980). Conseguiu-se uma resposta muito forte à seleção sobre o número de cerdas abdominais em moscas Drosophila, um traço com grande herdabilidade. Por outro lado (Nordskog, 1977), a seleção sobre a taxa de reprodução de ovos de galinha, um traço de baixa herdabilidade, não obteve sucesso.

Na natureza, os organismos estão susceptíveis ao balanço entre trocas de investimento de energia, uma “economia natural” (Ricklefs, 2003) em que traços morfológicos que demandam grandes quantidades de energia, mas são vantajosos (como a plumagem da cauda do pavão macho necessária no cortejo da fêmea), em troca deixam seus portadores vulneráveis aos predadores (que encontram certa facilidade de ataque, pois a presa possui pouca mobilidade devido à grande massa que a plumagem fornece). Os efeitos filogenéticos são a contribuição dos traços compartilhados por todos os indivíduos de uma espécie ou uma clado.

Cladogramas são árvores filogenéticas que carregam informações em análise (Fig. 3). As representações de árvores filogenéticas baseiam-se, estruturalmente, no princípio de ancestralidade comum que nada mais é do que o cerne da teoria da evolução. A grande importância dessas representações é que podem ser entendidas pelo público em geral de modo mais prático e muito mais simplificado. Podem-se interpretar as árvores evolutivas e usá-las para organização da biodiversidade sem conhecer em detalhes as deduções e o método para inferências filogenéticas.

Uma árvore evolutiva é uma descrição, através de diagramas, das relações entre entidades biológicas conectadas por meio de ancestrais comuns (ancestralidade comum). Tais árvores podem contar a história evolutiva dos vários seres vivos que coexistiram na Terra por mais de quatro bilhões de anos. É possível reconstruir a árvore da vida “galho por galho” a partir de táxons terminais representados pelos galhos finais que se conectam a um único tronco e raízes universalmente compartilhadas (Tosta, 2009).

Figura 03 - representação de um cladograma. Os terminais nem sempre são espécies, podem ser gêneros, famílias ou outros níveis hierárquico (adaptado de Lopes, 2002).

Comentários finais

Segundo os comentários apresentados ao longo desta resenha, podemos analisar um pouco mais profundamente as relações entre organismos recentes e suas origens. Assim, é importante discutir a respeito da real história que se desenrola a luz do evolucionismo impulsionado pela seleção natural (mas não só por ela). Devemos nos ater nas às evidências apresentadas e refutar as teorias que não oferecem respostas concretas às questões sobre as quais nos deparamos cotidianamente. Para se compreender a grandiosidade das belas e eficientes formas que os organismos apresentam, devemos nos lembrar do surgimento do primeiro organismo, os bilhões de anos que o separam dos seus ancestrais recentes, a extrema complexidade morfológica que estes apresentam e ainda os eventos construtores das formas atuais (seleção natural e deriva genética) que os modelaram e os modelam ainda hoje. A reflexão crítica se faz necessária para aceitarmos, definitivamente, a grandiosa complexidade da vida.


Bibliografia:

Antunes, A., Eizirik, E., Johnson, W.E., Murphy, W.J., O’Brien, S.J., Pecon-Slattery, J., Teeling, E., The late iocene radiation of modern Felidae: a genetic assessment, Science, vol. 311, n. 5757, p. 73-77, 2006.
Dawkins, R., O relojoeiro Cego, 1986.
Gregory, T.R., Understandining Evolutionary Trees: Education and Outreach, vol. 1, n. 2, p. 121-137, 2008.
Lopes, S. Bio2, São Paulo, Saraiva, 2002.
Motoyama, S., O Nascimento da Evolução Biológica, Scientific American Brasil, p. 45-53, 2006.
Tosta, L.P., A evolução dos conceitos sobre árvores filogenéticas parte 1, www.evolucaodemetazoa.blogspot.com, 2009.
Ricklefs, A Economia da Natureza, 3a ed., 2006. Ridley, M., Evolução, 3a ed., 2006.
Santos, C.M.D, Os dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para sistemática biológica, Scientia Studia, p. 179-200, 2008.
Scott, G.B.E.C., Manobras mais recentes do criacionismo, Scientific American Brasil Especial- Evolução da evolução, 81, p. 82-89, 2009.
Stearns & Hoekstra, Evolução uma introdução, 1999.

Fonte das figuras:
Figura 01:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Lockheed_SR-71_Blackbird.jpg
Figura 02:
http://www.mooseyscountrygarden.com/cat-dog-pictures/tabby-cat.jpg

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Sobre as infinitas formas de Grande Beleza: Divulgando a evolução dos animais pela internet

Ocorrido entre os dias 21 e 23 de outubro, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o 1º Salão Nacional de Divulgação Científica foi um evento em comemoração à Semana Nacional de Ciência e tecnologia com o tema "Popularização da Ciência no Brasil". A PUC uniu cientistas, artistas, pensadores, estudantes do ensino médio, graduandos e pós-graduandos para realizarem debates, palestras, atividades culturais e mostra científica, mostrando a preocupação tanto por parte dos organizadores do evento quanto por parte dos próprios participantes em divulgar o conhecimento de uma forma mais abrangente possível.

Dentre todos os trabalhos inscritos, o nosso, sobre divulgação da Biologia pela internet, foi um dos selecionados. Apresentamos os métodos e os resultados do nosso blog de forma oral para uma sala onde estavam presentes pessoas tanto da área de humanas quanto biológicas e exatas, além de algumas que faziam curso técnico.

Justamente pelo público abrangente, foram levantados pontos de discussão que não imaginamos, como a relação do nosso trabalho com a ferramenta usada para divulgação (a internet). Como se sabe, apesar da facilidade que se tem de acessar conteúdo pela internet, ela nem sempre nos leva a materiais fidedignos.

As pessoas que assistiram nossa apresentação levantaram idéias de difícil aplicação em um primeiro momento, porém muito boas. Uma delas foi a de que se todos cientistas fizessem um trabalho de divulgação semelhante, cada um com textos de sua área, poderíamos acabar com a “Wikipédia” (pelo menos do lado científico), onde qualquer pessoa pode fazer seus textos, diminuindo sua confiabili
dade.

Uma das coisas que chamou atenção para o nosso trabalho foi que ele estava diretamente relacionado com o tema de divulgação científica do evento, o que não aconteceu com outros trabalhos apresentados.

Esta oportunidade nos proporcionou um contato maior com pessoas que vinham de todo o Brasil divulgar ciência, além de nos possibilitar interagir e trocar informações com pessoas que estão neste ramo de divulgação há vários anos. Foi enriquecedor compartilhar vivências já adquiridas e adquirir novas técnicas junto a uma comunidade que compartilha os mesmos propósitos.

Segue o resumo do trabalho apresentado:

C. Ciências Biológicas – Biologia - C.2.2. Biologia Evolutiva
Sobre as infinitas formas de grande beleza: divulgando a evolução dos animais pela Internet

Anna Carolina Russo Curbelo Martin, Leandro Pereira Tosta & Charles Morphy Dias dos Santos

INTRODUÇÃO
Um weblog (abreviado comumente para blog) é uma página da web atualizada constantemente, com entradas (postagens) que têm uma data, horário e, se muitos autores contribuírem para o página, selos com autor e nome. As razões para a existência de blogs são muitas: da comunicação científica à tentativa de desmistificar a ciência e de fazer frente ao discurso público anti-científico. Um blog que representa uma comunidade científica ou subdisciplina irá ele mesmo se transformar em uma comunidade. Nesse contexto, foi criado o blog “Evolução de Metazoa” (www.evolucaodemetazoa.blogspot.com), que tem como objetivo principal servir de plataforma para divulgação e discussão dos resultados obtidos em dois projetos PDPD (Pesquisando Desde o Primeiro Dia) da Universidade Federal do ABC, centrados no estudo de aspectos relevantes para a compreensão da evolução dos animais, com ênfase em filogenias baseadas em dados morfológicos, embriológicos e moleculares. O objetivo central é tornar públicos, da sua implantação às suas conclusões, os resultados desses projetos de pesquisa que têm como alvo a divulgação do conhecimento científico acerca da teoria evolutiva e suas ramificações.

METODOLOGIA
O projeto constitui-se de uma revisão bibliográfica comparativa, através da leitura de artigos clássicos e recentes a respeito da biologia evolutiva, seguida da preparação de ensaios de divulgação dos temas propostos, voltados principalmente para alunos do ensino médio, professores de biologia e ciências e alunos de graduação de cursos introdutórios de evolução, zoologia, sistemática e genética. A linguagem utilizada é direta e comunicativa, sem a profusão de termos técnicos, mas procurando não cair na armadilha da superficialização de conceitos. Os textos versam sobre a evolução dos animais em uma perspectiva filogenética, com ênfase na importância de dados moleculares e da biologia evolutiva do desenvolvimento. A partir do levantamento de dados, conceitos e teorias dentro de uma visão abrangente da teoria da evolução dos animais, será possível conectar hipóteses e informações fornecidas por diferentes áreas da biologia em um grande arcabouço histórico-evolutivo a ser divulgado via rede.

RESULTADOS
O trabalho encontra-se em fase inicial, mas alguns dos resultados preliminares já tem demonstrado o impacto e a importância da divulgação da teoria evolutiva para um público amplo, com pouco acesso ao conhecimento científico produzido na universidade, e a crescente abertura da comunidade acadêmica ao uso de ferramentas como blogs e sites. Até o presente momento, foram publicados cinco ensaios (“Breve ensaio sobre circunstâncias modeladoras dos seres vivos”, “Sobre evolução, genes e desenvolvimento”, “A evolução dos conceitos sobre árvores filogenéticas partes 1, 2 e 3”), que receberam comentários de docentes da própria instituição (UFABC) e de outras instituições (como a USP-RP) e que, inclusive, têm sido utilizados em algumas das disciplinas do bacharelado em Ciência e Tecnologia da UFABC, de acordo com as pretensões iniciais do projeto. Os acessos ao blog, medidos pelo Google Analytics, têm demonstrado a fidelização do público e o seu alinhamento aos objetivos do projeto.

CONCLUSÃO
Assim como as revistas de hard-science, blogs são meios para a divulgação de idéias. Para atingirem seus objetivos a contento, ao serem preparados, e independentemente da linha de argumentação ou do assunto, os ensaios em um blog precisam ser construídos e divulgados de forma cuidadosa. A ciência exposta não deve ser complicada e hermética, sob o risco de afastarmos ainda mais o público pouco acostumado a exposições aprofundadas sobre o conhecimento científico. No entanto, não há motivos para que uma postagem em um blog não seja tão zelosa sobre seu conteúdo e forma quanto um texto para uma revista tradicional. Essas diretrizes norteiam os trabalhos no “Evolução de Metazoa”. Blogs não são substitutos da divulgação tradicional (em papel). Eles são ferramentas complementares, que permitem uma dimensão extra para a publicação da pesquisa científica, com recursos que permitem grande dinamismo e um maior alcance para o que é discutido. Como sua utilização tem menos de uma década, a importância dos blogs para a comunidade científica ainda não pode ser analisada em uma perspectiva histórica, mas seu impacto no ensino de ciências pode ser notado por muitos dos que utilizam tal ferramenta.

Instituição de fomento: Universidade Federal do ABC (bolsas PDPD)
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave: Blog, Divulgação científica, Evolução

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

A evolução dos conceitos sobre árvores filogenéticas - Parte 3

Leandro Pereira Tosta
e-mail: leandropereiratosta@gmail.com
Anna Carolina Russo
e-mail: annacarolinarcm@gmail.com

Universidade Federal do ABC.

"Um homem que ousa desperdiçar uma hora
ainda não descobriu o valor da vida."

Charles Darwin.

Resumo: As aproximações evolutivas apresentadas através das árvores filogenéticas são uma maneira de diminuir erros nas classificações entre organismos com estruturas similares, além de apresentarem as modificações das espécies ao longo de sua história evolutiva. Reconhecendo a importância de uma árvore filogenética, este ensaio trará mais alguns conceitos básicos para seu entendimento e análise.

Palavras-chave: árvores filogenéticas, cladogênese, Darwin, evolução, Linnaeus, parentesco.

Como comentado em postagens anteriores, é preciso compreender a importância do uso e correta interpretação das árvores evolutivas para melhor entendimento da evolução das características genéticas e morfológicas. O uso de árvores evolutivas é muito importante para compreensão da posição dos táxons tendo como base as relações colaterais ou de grupos-irmãos e os nós internos que representam a ancestralidade comum dos organismos.

Noções de que as espécies vivas devem ser classificadas da menor para a maior complexidade - como descrito por Lamarck – foram falseadas a partir dos estudos de Darwin, que passou a representar a diversidade através de árvores que se ramificaram a partir de um ancestral comum. Por volta dos anos 1950, o entomólogo alemão Willi Hennig propôs uma forma empírica de reconstruir as árvores evolutivas.

Na análise das árvores filogenéticas, muitos erros de interpretação são cometidos. Um dos erros cometidos freqüentemente é considerar o homem como topo da escala evolutiva. Esse assunto tão controverso já fora descrito em publicações anteriores. Gostaríamos de poupar o leitor do trabalho enfadonho de discutir a posição do homem a fim de poder desenvolver outros tópicos também de grande relevância à análise das árvores.

Outro erro muito cometido é conceber o ato da evolução como sendo linear, progressivo e unidirecional. Ouvimos no dia-a-dia aquela velha história de que “viemos” de organismos que, com o tempo, foram se “moldando”, ganhando complexidade até originar o que somos e como somos hoje. Esta idéia era corrente no século XVIII como, por exemplo, na obra do naturalista francês Buffon. Sabe-se hoje que a evolução se dá por meio da seleção natural e fenômenos aleatórios. Dessa forma, não se deve compreender a evolução como etapas lineares respeitando um processo matemático exato. A evolução se dá de forma lenta e gradual sem pulos atípicos de tempo, de forma não presumível por tabelas quando o organismo se apresenta em habitat natural.

Além do modo errôneo de como é compreendida a evolução, as árvores filogenéticas são freqüentemente mal interpretadas quando estamos falando do grau de parentesco entre as espécies. Geralmente, a primeira leitura para um leigo no assunto do grau de parentesco é ver qual espécie está mais próxima da outra espécie nos terminais da árvore, sem levar em consideração o padrão de ramificação entre elas ao longo da evolução. Como exemplo, temos a figura 2a, que mostra o grau de parentesco entre sapos, gatos, lagartos, peixes e seres humanos. Há uma forte tendência de pensar que o sapo está mais próximo dos peixes do que do ser humano, pois estão sendo analisados somente os pontos terminais. Se analisarmos os nós internos, podemos verificar que os sapos estão em um grupo mais inclusivo com os seres humanos do que os peixes. Além disso, pode-se dizer também que os seres humanos têm uma relação de parentesco maior com gatos do que com os sapos. Para facilitar, podemos girar os nos internos, como está demonstrado na figura 2b, para tirar a impressão de proximidade entre os sapos e os peixes. Figura 02. Árvore filogenética com o grau de parentesco entre sapos, gatos, lagartos, peixes e seres humanos sendo que a árvore 2b com os nós invertidos.

Uma última noção sobre as árvores filogenéticas é muito importante para sua interpretação: os seus pontos terminais não são necessariamente as espécies não extintas e seus nós internos os ancestrais que estão fossilizados. Na verdade, os ramos terminais podem ser TODAS as espécies conhecidas até hoje. As extintas, logicamente, são conhecidas pelos achados fósseis, mas não podemos considerar um achado fóssil como sendo o ancestral comum de um grupo de espécies, pois não podemos garantir que aquela espécie fóssil foi a precursora das outras que existem hoje. Portanto, temos que nos desfazer da prática intrínseca de procurar os inexistentes “elos perdidos”.
Figura 03. Diferentes espécies de tentilhões da ilha de Galápagos que deram base à teoria de Darwin.

Tida como ciência, a taxonomia é uma herança do sistemata Carolus Linnaeus no século XVIII. Nessa época, as classificações biológicas eram baseadas unicamente nas similaridades físicas. Hoje o critério de maior relevância para as classificações de cunho científico é o estabelecimento de relações de grupos-irmãos. Este critério foi desenvolvido para evitar a classificação errônea entre organismos dotados de estruturas similares que podem se modificar ao longo da história evolutiva.

A real diversificação das espécies é precedida por cladogêneses (Gregory, 2008), representado pela ramificação das árvores filogenéticas a partir de um ancestral comum.

Outro fato notório é a apresentação de ramos que representam as espécies ou grupos mais inclusivos. A presença de um ramo, representado na árvore, não significa necessariamente que nenhuma mudança tenha ocorrido (modificações que ocorrem dentro de uma espécie, mas que não levam à especiação são chamadas de anagenéticas). A representação dos ramos nas árvores pode designar táxons terminais um pouco diferentes dos organismos que deram origem à espécie (representado pelos nós internos).

Para melhor compreensão das árvores filogenéticas, deve-se ter em mente que o que importa não é sempre comparar complexidade de organismos dentro de um mesmo táxon, “galho”. Deve-se ter idéia de que a partir de um ancestral comum sempre haverá modificações originando organismos derivados e diferentes.

A partir do nó interno, uma espécie diverge em duas populações isoladas que apresentam a mesma descendência genética. Desta forma é possível compreender, mesmo que de forma simplificada, as modificações nos seres vivos atuais em relação aos seus ancestrais com o passar dos milhares de anos. Como por exemplo, pombos ancestrais originaram toda a diversidade de pombos que existem hoje.

Em suma, compreender a importância das árvores filogenéticas é crucial às modernas concepções sobre evolução. É necessário compreender que a evolução faz parte da história de todos os seres vivos, que sofrem modificações no decorrer do tempo, as quais podem ser selecionadas. Nesse contexto, as ferramentas usadas para análise dos passos evolutivos são as árvores filogenéticas.
Figura 04. Variedade de pombos que existem hoje.


Bibliografia:
Gregory, T.R, Understanding Evolutionary Trees, Evolution: Education and Outreach, vol. 1, n. 2, p. 121-137, 2008.
Santos, C.M.D., Os Dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para sistemática biológica. Scientia Studia, p.179-200; 2008.

Fonte das figuras:
-Figura 01.
https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEikX6omkTo-SRlWwLUA-jGFtGkqt8WnYF6cq8bP7BJcjDAApQzlfNLr-nFxnAC2nKeBbNqqCpXVCQr2l9IHxj7A7ByheTs2ezF77dxVVjm__jFVXEFsE-wNTpuGD0K1MhmTt6aM2cSCb7Xt/s1600-h/%C3%81rvore+de+Inverno.bmp
-Figura 02.
Gregory, T.R, Understanding Evolutionary Trees, Evolution: Education and Outreach, vol. 1, n. 2, p. 121-137, 2008.
-Figura 03. http://www.notapositiva.com/trab_estudantes/trab_estudantes/biologia/biologia_trabalhos/darwin03.jpg -Figura 04. https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEihY0ypa1sVaxKLfN5Zi8Yk1i4uku3AqBhxvun5kjGHwqWmm2ryIbo9tyBtJkoKgn844KiVMX3X7SHdfkwCnrQCKMiRI-S21KMBfTQgbxXtuZj_tUOZxmM9KF6MdEATFdyjubVgCTZNFrMO/s1600-h/A.F.Lydon+Art_Selection_Pigeons.jpg

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A evolução dos conceitos sobre árvores filogenéticas - parte 2

por Anna Carolina Russo
Universidade Federal do ABC
e-mail: annacarolinarcm@gmail.com

Resumo:
Após Charles Darwin ter definido o conceito de evolução e descendência ,esses conceitos foram desenvolvidos, chegando até aos cladogramas que conhecemos hoje. Esse ensaio tem por intenção explicar os tipos de árvores juntamente com seus conceitos para que se possa abstrair o máximo de informação da análise eu um cladograma.
Palavras-chave: árvore filogenética, Charles Darwin, cladograma, clado, filogenia.

"A distinção entre passado, presente e futuro é apenas
uma ilusão teimosamente persistente"

Albert Einstein

Entender a ciência e tudo que se conhece hoje não se limita somente ao estudo da física, matemática, biologia e química. Para termos uma maior compreensão do porquê um determinado conhecimento se desenvolveu, temos que estudar o contexto histórico daquela descoberta. Por exemplo, entender somente fissão nuclear e reação em cadeia seria diferente de entender seu contexto histórico. Saberíamos que, durante a Segunda Guerra Mundial, o físico alemão Albert Einstein e colegas sabiam que os nazistas estavam desenvolvendo uma bomba tão poderosa capaz de destruir uma cidade inteira. Nesse contexto,o presidente dos Estados Unidos financiou um projeto para que muitos cientistas e pesquisadores, juntamente com Einstein, pudessem concluir a bomba atômica antes dos nazistas. Portanto, além de fissão nuclear e reação em cadeia, junto com o contexto histórico (a Segunda Grande Guerra ) seria estudado o átomo, a famosa fórmula Einstein (E=m.c²), interações nucleares, etc.

Como poderíamos estudar o contexto histórico em termos de biologia evolutiva, sendo que o homem não estava presente desde a origem da vida e durante a maior parte da sua história?

Para isso, foram desenvolvidas ferramentas como a representação da evolução através deárvores filogenéticas (presentes, por exemplo, nos cadernos de Charles Darwin de 1837). A árvore filogenética, conhecida também como cladograma ou árvore evolutiva (evolutionary trees) tenta mostrar as relações de parentesco entre as esp
écies que tem um ancestral comum. Essa representação é um diagrama que apresenta as relações entre grupos-irmãos, a partir das quais podemos interpretar a evolução desses grupos. O mau entendimento dela pode prejudicar a compreensão dos padrões e processos que ocorrem na história evolutiva da biodiversidade.

Um cladograma pode fornecer os padrões evolutivos de uma espécie, mesmo que seu observador pouco entenda sobre o assunto. Porém, alguns leitores podem se equivocar em sua interpretação. Por isso, iremos discorrer ao longo dos próximos ensaios formas básicas de interpretação de uma árvore filogenética.

Para começar, é preciso lembrar dos tipos de transmissão gênica , que podem ser de modo horizontal ou vertical, isso porque se comparamos os genótipos de duas espécies e eles forem semelhantes, isso significa que eles tem um relação próxima de parentesco. O cladograma se baseará principalmente na evolução vertical, ou seja, na transmissão gênica de um ancestral comum para seus descendentes, que podem divergir.

A árvore filogenética segue de forma cronológica na qual normalmente (mas não sempre) se estende da esquerda para direita ou de baixo para cima
, sendo que primeiro nó seria o ancestral em comum para todos presente naquela árvore (1) e cada nó interno (2, 3, 4 e 5) seria um ancestral comum para todos aqueles que se ramificarão a partir daquele ponto, por fim, cada ramo final seria um táxon terminal (A a F). O mais importante em uma árvore é que se pode girar os nós sem alterar a descendência (Figura 1).Figura 1: Cladograma mostrando que o ato de girar os nós não altera as relações de parentesco.

Com o desenvolvimento do cladograma, agora podemos identificar os clados ou também chamados grupos monofiléticos, que são os grupos de
espécies mais inclusivas, ou seja, o grupo que possuem um mesmo ancestral comum e todos os descendentes desse ancestral (A e B, D e E).

Algumas árvores podem conter informações como o grau de divergência de uma espécie, que será representado por meio do comprimento de seus r
amos, ou seja, quanto maior o ramo, maior será a divergência (Figura 2).
Figura 2: Exemplo de árvore evolutiva representando que, quanto maior os ramos, maior a quantidade de divergências.

Há ainda algumas árvores que fornecem informações sobre a distribuição geográfica ou ecológica de um grupo de espécies (Figura 3). Este tipo de árvore não é um cladograma e pode não fornecer informações explícitas sobre os padrões de ramificação de espécies individuais. Elas normalmente são desenvolvidas com base em outros dados que permitem uma visão geral da história de uma linhagem.
Figura 3: Árvore evolutiva representando informações ecológicas e cronológicas (retirado de Gregory, 2008).

Referências
Gregory, T.R. Understanding Evolutionary Trees. Evolution: Education and Outreach, vol. 1, n. 2, p. 121-137, 2008.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A evolução dos conceitos sobre árvores filogenéticas - parte 1

por Leandro Pereira Tosta
Universidade Federal do ABC
e-mail: leandropereiratosta@gmail.com

Resumo: A necessidade e o instinto humano em classificar os objetos em seus meios levaram-o a desenvolver ferramentas cada vez mais úteis e práticas. O surgimento da sistemática biológica faz uso intenso de árvores evolutivas. Este breve ensaio traz uma base histórica e visa orientar o manuseio e utilização desta técnica.
Para melhor compreensão, o trabalho será postado em três partes.
Palavras-chave: árvore, evolução, filogenética, molecular.

"Para ser um bom observador é preciso ser um bom teórico"
Charles Darwin em Origem das espécies (1859)

O ato de classificar é bastante antigo, profundamente relacionado ao desenvolvimento social do homem, e normal no cotidiano de bilhões de pessoas.

No entanto, não há registros que comprovem com exatidão o surgimento da sistemática em nosso meio como recurso importante para o desenvolvimento da humanidade.

Desde as classificações dicotômicas do filósofo grego Aristóteles, o homem vem criando formas para a classificação (sistemática) de seres vivos para melhor entendimento e compreensão dos mesmos. Esse fato ultrapassou a barreira do tempo e permanece ente nós em áreas tão distintas quanto a classificação de partículas subatômicas de Max Planck ou a classificação biológica moderna do entomólogo Willi Hennig.

Especificamente na biologia, qual a ferramenta mais propícia para ser usada para classificar os organismos?

Charles Darwin considerava o uso da metáfora da árvore da vida como um importante princípio de organização para o entendimento dos conceitos de descendência com modificação. Anteriormente, Lamarck já fazia uso de estruturas similares para representação do “aumento de complexidade” dos organismos no decorrer dos tempos.

Hoje as árvores evolutivas (também conhecidas como árvores filogenéticas) são resultado de rigorosas análises com base em dados moleculares, morfológicos, de desenvolvimento e outros, na buscam pela reconstrução da história das espécies.

As representações de árvores filogenéticas baseiam-se, estruturalmente, no princípio de ancestralidade comum que nada mais é do que o cerne da teoria da evolução. A grande importância dessas representações é que podem ser entendidas pelo público em geral de modo mais prático e muito mais simplificado. Podem-se interpretar as árvores evolutivas e usá-las para organização da biodiversidade sem conhecer em detalhes as deduções e o método para inferências filogenéticas.

Uma árvore evolutiva é uma descrição, através de diagramas, das relações entre entidades biológicas conectadas por meio de ancestrais comuns (ancestralidade comum). Tais árvores podem contar a história evolutiva dos vários seres vivos que coexistiram na Terra por mais de quatro bilhões de anos. É possível reconstruir a árvore da vida “galho por galho” a partir de táxons terminais representados pelos galhos finais que se conectam a um único tronco e raízes universalmente compartilhadas.

A formação de novas linhagens dá-se no passar do tempo, refletindo modificações do conteúdo genético pelos quais passam os organismos que se distanciam do ancestral do ancestral comum, que são repassadas, com outras possíveis modificações, aos seus descendentes. Assim, o compartilhamento genético no ato da reprodução aliado à potenciais mutações são os meios que levam à formação da “árvore da vida”.

Entretanto, é preciso ter cuidado nas análises de genes porque, na maioria dos casos, “árvores genéticas” e “árvores de espécies” não são equivalentes. Isso acontece porque a história individual dos genes não segue os meios pelos quais as espécies enfrentam as adversidades que os mais diferentes ambientes podem apresentar.

Deve-se ficar claro que é complicado estabelecer “datas filogenéticas” com precisão para árvores evolutivas. As reconstruções filogenéticas se baseiam em hipóteses com base, mais modernamente, em dados moleculares, não em calendários.

Figura: estrutura de uma árvore evolutiva. “F” é o grupo-externo; os nós internos (1, 2, 3, 4) indicam a existência de ancestrais comuns; os táxons terminais (A, B, C, D, E, F) são as representações dos organismos (espécies) (modificado de Gregory, 2008).

Referências bibliográficas
- Gregory, T.R. Understanding Evolutionary Trees. Evolution: Education and Outreach, vol. 1, n. 2, p. 121-137, 2008.
- Motoyama S. O Nascimento da Evolução Biológica, Scientific American Brasil, p. 45-53, 2006.
- Santos, C.M.D. Os Dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para sistemática biológica. Scientiae Studia, p.179-200, 2008.
- Stix, G. O Legado Vivo de Darwin. Scientific American Brasil Especial - A Evolução da Evolução, p. 26-31, 2009.