terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Monte e a figueira

Anna Carolina Russo

Universidade Federal do ABC.

Richard Dawkins (nascido em 26 de março de 1941) aprendeu zoologia na Inglaterra e lecionou na Universidade da Califórnia e em Oxford – aposentou-se atualmente da cadeira de compreensão pública da ciência, da Universidade de Oxford. É um grande evolucionista e escritor de divulgação científica, criador de diversos termos como os “memes” e “gene egoísta”. Em seus escritos, Dawkins tenta rebater argumentos fundamentalistas de alguns religiosos para os quais a evolução apresentada por Darwin e aceita pelo meio científico é abusivamente improvável de acontecer.

Em vista de acabar com esses argumentos, Dawkins escreveu seu livro “A escalada do monte improvável: uma defesa da teoria da evolução”, em que são apresentados diversos cenários evolutivos para os animais, incluindo alguns feitos em programas de computadores como o “Netspider”, usados para ver a evolução das teias de aranhas. Seu livro gira em torno de uma metáfora central: uma figueira no alto de um monte. Este monte representaria a evolução de todos os animais, com cada pico representando seu grau de complexidade evolutivo. No cume está localizada a figueira (falaremos sobre ela no final desta resenha).



Logo no primeiro capítulo, Dawkins já insere conceitos como mimetismo, evolução convergente e seleção artificial, todos seguidos de exemplos curiosos presentes na natureza. Um dos mais interessantes, sobre mimetismo, conceito que se refere à forma na qual uma determinada espécie pode evoluir ficando muito parecida a uma outra espécie, fala do besouro Coatonachthdes ovambolandicus. Esta espécie de besouro mimetiza um cupim por viver entre eles – sua “fraude” dá-se através da presença de uma espécie de capa que cobre seu corpo, muito semelhante à do cupim verdadeiro, Amitermes hastatus.


Dawkins explica a evolução convergente através de alguns exemplos de animais que evoluíram independentemente uns dos outros, mas alcançaram resultados parecidos. No capítulo “Alçando vôo”, ele comenta sobre a evolução dos animais até chegarem ao vôo. Alguns animais, como aves, morcegos e pterossauros, conseguiram alcançar os céus de forma independente uns dos outros. O mesmo vale para o formato hidrodinâmico de alguns mamíferos (golfinhos), peixes (como o marlim azul), répteis (como o Ichtiosaurus) e aves (como o pingüim de Galápagos), todos com nadadeiras e uma espécie de bico alongado. Esses atributos foram adquiridos independentemente pois os organismos são de famílias diferentes. Eles já haviam se separado ao longo da história evolutiva, caminhando para picos diferentes do monte Improvável, porém chegando a resultados parecidos.

O homem pode também interferir nessa seleção fazendo com que espécies cheguem a resultados que ele mesmo escolheu consciente ou inconscientemente. Esse é o conceito de seleção artificial. Um exemplo clássico da seleção artificial são as diversas raças de cachorros existentes hoje, que foram selecionadas a partir do cruzamento entre animais com características marcadas. Desta forma, com o passar das gerações, essas características foram se acentuando cada vez mais, até chegar às raças conhecidas.

Caminhos da evolução
Para entender melhor os caminhos tomados pela evolução, cientistas inventaram programas de computadores que aceleram hipoteticamente o desenvolvimento evolutivo das espécies. Da mesma forma que a seleção natural, definida por Charles Darwin como a pressão imposta pela natureza que selecionará os mais aptos, com atributos vantajosos que levam à reprodução diferencial e à perpetuação da espécie, os cientistas programam qual será a condição no qual a espécie virtual continuará a se desenvolver, gerando descendentes. Além disso, é definida uma taxa de mudanças por gerações que seriam as próprias mutações gênicas. No final de muitas gerações, que podem acontecer em uma fração de segundos, os cientistas obtêm como resultado a espécie resultante que seria a mais bem adaptada para perpetuar seus genes.

Esta forma de pesquisa é muito relevante para entender o processo das mutações. Isso porque, através dos estudos com esse tipo de programa, percebeu-se que mesmo com pequenas mudanças nos biomorfos, como são chamados os organismos virtuais, acontecia grandes mudanças ao longo das gerações que foram selecionadas a partir do que o programador estipulou nas condições iniciais. Portanto, se compararmos com a verdadeira evolução dos animais, percebe-se que pequenas mudanças genéticas podem levar a grandes transformações futuras, porém essas mudanças são graduais e levam certo tempo para que se fixar na população pois são passadas através das gerações e selecionadas de acordo com as imposições do ambiente.

Uma grande polêmica que é discutida pelo autor é a questão da aleatoriedade das mutações, isso por que algumas pessoas não conseguem entender como o homem conseguiu chegar à tamanha complexidade (em vários dos seus sistemas) através do puro acaso. Segundo Dawkins, as mutações são aleatórias no sentido de não serem direcionadas para o aperfeiçoamento. No entanto, a seleção natural tem o papel de filtrar e direcionar essas variações genéticas oferecidas pelas mutações. Portanto, se a teoria evolutiva fosse somente sustentada pelas mutações gênicas, ela seria baseada no puro acaso, porém, como ela trabalha juntamente com a seleção natural, ela passa a conter também um componente não aleatório.

Bernard Kettlewell fez uma pesquisa sobre as mariposas pretas e brancas, na qual exemplifica muito bem a relação das mutações e a seleção natural. Kettlewell verificou que existiam mariposas da cor preta e branca que viviam no mesmo ambiente (na Inglaterra pré-revolução industrial). As pretas acabavam sendo mais expostas por não conseguirem se camuflar, sendo predadas mais rapidamente. Isso fazia com que existissem mais mariposas brancas que pretas. Porém, após a revolução industrial, os troncos das árvores passaram a ser mais escuros por conta da poluição, o que facilitou a camuflagem das mariposas pretas. Desta forma as, mariposas pretas conseguiram aumentar sua população em relação às brancas, que começaram a ter mais dificuldades para sobreviver aos predadores. As mutações ocorriam sem um direcionamento específico, já que, em um primeiro momento, existiam tanto mariposas brancas quanto pretas. Mas a seleção natural agiu sobre essa população diversa, fazendo com que fosse direcionada uma característica específica através da sobrevivência diferencial das mariposas pretas.


Macroevolução

Algumas características podem surgir através de mutações inesperadas. Essas macromutações, assim chamadas por Dawkins, podem acelerar ou até mesmo facilitar a “construção” de organismos mais complexos. Um exemplo vem da comparação do número de vértebras das girafas e das cobras: basta uma pequena modificação no embrião em desenvolvimento para quadruplicar o tamanho das vértebras do pescoço de uma girafa, porém ela continua tendo sete vértebras; uma cobra, por sua vez, possui cerca de duzentos a trezentas vértebras, que foram incorporadas ao longo de sua evolução através de alguma macromutação.

É válido notar que a evolução sempre caminhará rumo aos picos do monte e nunca voltará para seus vales para tomar outro caminho. Essa argumentação já fora feita por Sewall Wright e agora é retomada por Dawkins, aliás, a própria metáfora do monte, segundo Dawkins, foi originária de Wright. O que eles querem dizer é que, se um grupo de mamíferos já conquistou a terra a partir da evolução de seus pulmões e se, por algum motivo, alguma linhagem tiver que voltar a viver nas águas, ela não vai voltar a ter brânquias assim como seus ancestrais possuíam. Provavelmente, essa espécie continuará respirando o ar atmosférico através de seus pulmões e para isso nadará até a superfície, como acontece com as baleias.

Apesar de sua teoria ter grandes repercussões, Darwin se intrigava com certas questões de difícil explicação, como a complexidade dos olhos. Causava-lhe arrepios pensar que este órgão chegou a um elevado grau de complexidade por causa da seleção natural. Por isso, Dawkins separou um capítulo só para explicar sobre o mecanismo dos olhos dos animais: a grande maioria evoluiu independentemente. Existem muitos tipos de olhos desde o tipo orifício, como o dos seres humanos, até os olhos compostos de alguns insetos. Ele explica que a evolução dos olhos pode ter acontecido de forma que cada modificação em uma célula fotoreceptora fosse tão importante para a sobrevivência que uma mínima mudança nessa estrutura já tornava aquela espécie mais apta para passar seus genes aos seus descendentes. Isso pode ter levado à alterações significativas do olho ao longo das gerações.


A figueira

Onde a figueira se encaixa nas explicações sobre a evolução?

O figo, na verdade não é uma fruta, apesar de sempre olharmos ela como tal. Ele é uma inflorescência (conjunto de flores), assim como o girassol não é uma única flor, mas sim um conjunto delas localizadas em seu centro. As flores do figo estão posicionadas em seu interior – estas flores são polinizadas por vespas que chegam ao seu interior através de um orifício na extremidade inferior do figo. Dawkins considera a relação entre o figo, ou o “jardim murado” assim chamado por ele, e a vespa como o ponto mais alto da realização evolutiva. Isso porque o relacionamento entre eles envolve uma dura e árdua tarefa de polinização por parte das vespas, que leva a sua mutilação e a caminhos tortuosos a serem enfrentados. Apesar de tudo, essa relação não envolve deliberação e nem qualquer tipo de inteligência, pois a vespa possui um minúsculo cérebro e a figueira não tem nada parecido com um. Para Dawkins “tudo isso é produto de um ajuste fino darwiniano inconsciente em cuja intrincada perfeição não deveríamos crer se não estivesse diante de nossos olhos”.


Bibliografia:
Dawkins, R, A escalada do monte improvável: uma defesa da teoria da evolução, 2006.


Fonte das figuras:
Fig. 01: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOTUpfpUYu45WSHB7FTBd78gxU4rk2mcyY7hY8TrrVswvAbK00VC0JDCBWZH3B9hbEwI2dhruCeVqzIfisVV5LWydn5iGAyWorkUJhgBmfgqzFfSLE-LYrTHAR62Q8v4idGJ_1hErKeoo/s400/P%25C3%25B4r%2520do%2520sol%2520e%2520montanhas.jpg
Fig. 02: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEju84k8-obChytOvA33Z8Kdp7PAilf25U1g__tiR0lLhVbDerw17_-lrQerKWkq0DSYFYlys34EUEY235C0-sOpl6BgLjKyQ1d37c81k9R_cUj-co7fQ8V4sOhy7LUb-ntVre96hkni7Trc/s400/Morcego+-+Asas.jpg
Fig. 03: http://www.petpetisco.com/upload/useruploads/images/Raças+de+cachorros.jpg
Fig. 04: http://bellsblog.files.wordpress.com/2009/05/figo.jpg

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A grandiosa complexidade da vida

por Leandro Pereira Tosta
Universidade Federal do ABC
e-mail: leandropereiratosta@gmail.com

A grandeza natural

As populações mendelianas são conservativas quando não se encontram sob seleção, porém, sob forte seleção, elas podem rapidamente produ
zir combinações de genes que são, em uma primeira impressão, extremamente improváveis (Hoekstra e Stearns, 1991). Mas qual a dimensão dessa improbabilidade? Quais são os mecanismos responsáveis pela grandiosa multiformidade da natureza? Essas são algumas das questões que Richard Dawkins (1986) discute em sua obra “O Relojoeiro Cego”, assim como a questão do desígnio divino e da evolução das espécies à luz do darwinismo.

Para nossa discussão, devemos inicialmente refletir sobre a engenhosidade da formação dos seres vivos em relação às obras consideradas de altíssima complexidade tecnológica desenvolvidas pela inteligência humana.


Consideráveis aperfeiçoamentos na aviação se
deram desde o 14-Bis, criado por Santos Dumont no início do século XX, devido principalmente às guerras ocorridas no mundo. O ápice do avanço na velocidade de um avião tripulado se dá com o modelo SR-71 “Blackbird” (Fig. 1) do exército norte americano, cuja velocidade ultrapassa em três vezes a velocidade do som (mais rápido que um míssil). Para se colocar em prática o projeto “Blackbird” foram gastos bilhões de dólares, muitos anos de pesquisa no desenvolvimento da tecnologia e dedicação de dezenas de cientistas.

Figura 1 - SR-71 Blackbird

Seria quase inacreditável imaginar que em um curto espaço de tempo fosse possível a decolagem do primeiro avião até o surgimento de modelos tão velozes quanto uma bala de revólver se não houvesse os conhecimentos acumulados pelo homem. Na biologia, as coisas não são muito diferentes. É preciso olhar mais criticamente a natureza ao nosso redor e analisar quão improvável é a formação de um ser vivo e as circunstâncias que levam à diversidade de espécies no planeta.


Acredita-se que o primeiro “passo” da vida deu-se nos oceanos, que eram verdadeiros caldos de compostos químicos reunidos em decorrência da quiralidade (polarização entre cargas elétricas) molecular e de condições físicas específicas (temperatura, composição atmosférica, choques mecânicos e descargas elétricas) por um processo aleatório, dispondo aminoácidos em ordens passíveis de originar proteínas e, em um momento posterior, a vida em si. Como é possível que um evento como a origem da vida, em meio a uma incrível improbabilidade, tenha ocorrido? Vamos exemplificar essa improbabilidade através de um cenário hipotético.As 31 letras em THEREISGRANDEURINTHISVIEWOFLIFE (“Há grandeza nesta visão da vida”) podem ser comparadas a uma sequência de 31 genes (cada letra, um gene), com 26 versões diferentes possíveis (cada gene pode assumir 26 letras distintas, A, B, C etc.). Se a evolução posicionasse tais sequências de maneira completamente aleatória, ela teria de selecionar entre 26³¹ (7,31 x 1043) diferentes combinações possíveis de letras até chegar à sequência certa (Dawkins, 1986). Diante desse número, fica fácil mostrar como a evolução NÃO tem apenas um componente aleatório.

Em organis
mos vivos, a seleção natural provoca o aumento da freqüência de combinações gênicas favoráveis, e a replicação acurada tanto das moléculas quanto nas populações (Ewens, 1993). Nas palavras de Dawkins (1986), “A seleção natural, processo cego, inconsciente e automático que Darwin descobriu e que agora sabemos ser a explicação para a existência e para a forma aparentemente premeditada para de todos os seres vivos, não tem nenhum propósito em mente. Ela não tem nem mente nem capacidade de imaginação. Não tem nem visão nem antevisão. Se é que se pode dizer que ela desempenha o papel de relojoeiro da natureza, é o relojoeiro cego”.

Evolução, transformismo e desígnio divino

O pensamento cientificista a partir do século XIX passa a valorizar ainda mais a discussão de conceitos sobre a vida. Esforços de grandes cientistas se deram a fim de questionar a crença criacionista. Desde então, a ciência tem procurado compreender o ser vivo como parte inerente da natureza, sem considerar o sobrenatural.

É no século XIX que surge a biologia evolutiva, que não prevê a existência de um desígnio divino para explicar a natureza.
Evolução significa mudança, mudança na forma e no comportamento dos organismos ao longo das gerações. As formas dos organismos em todos os níveis, desde a sequência de DNA até a morfologia macroscópica e o comportamento social, foram modificadas a partir dos seus ancestrais durante a evolução (Ridley, 2006). Nesse sentido encaixa-se a frase “nada na biologia faz sentido exceto à luz da evolução” (Dobzhansky, 1973).

As três principais idéias quanto à origem da vida são: evolução, transformismo, e criacionismo. Na evolução, todas as espécies têm uma origem comum e podem mudar ao longo do tempo. No transformismo, as espécies têm origens separadas, mas podem mudar. No criacionismo, as espécies têm origens separadas e não mudam (Ridley, 2006).

O exemplo dos felinos

A saga dos felídeos sobre a terra, segundo o evolucionismo, começou na Ásia. A primeira grande radiação (derivação) moderna desse grupo teria ocorrido há 10,8 milhões de anos, com o surgimento da linhagem Panthera da qual fazem parte o leão, a onça, o leopardo e o tigre. Na América do Sul, esse grupo chegou há cerca de 2,3 milhões de anos (Antunes et al., 2006). O evolucionismo constrói um cenário em que a linhagem Panthera é fruto de derivações, seleções e adaptações de organismos já existentes (ancestrais comuns).

Segundo o transformismo, os representantes da linhagem Panthera se originaram independentemente a partir da matéria inanimada e “evoluíram”, tendendo ao aumento da complexidade morfológica, a partir da influencia da geografia local. O principal representante do transformismo foi o naturalista francês Lamarck. A teoria transformista não explicava satisfatoriamente a semelhança morfológica entre indivíduos considerados grupos irmãos pelo darwinismo, que deteriam características comuns. Hoje, pelo desenvolvimento da engenharia genética, comparando-se dados moleculares, sabe-se que o transformismo é uma teoria refutada e caída em desuso.

As idéias criacionistas para explicar a origem da linhagem Panthera pressupõem duas vertentes (Ridley, 2006): os felinos domésticos (Felis catus) (Fig. 2) forma pré-concebidas a partir de um desígnio divino e não sofreram modificações ao longo dos anos, assim como os demais felinos. A teoria criacionista pode ser colocada em xeque ao se indagar a seguinte questão: se o Felis catus tem origem no “início” dos tempos, juntamente com todos os outros animais, por que são encontrados fósseis muito antigos, com centenas de milhões de anos, de grupos como artrópodes, e não de felinos? Ou ainda, como explicar a incrível semelhança genética e morfológica entre os representantes das várias linhagens? Como se pode observar, a teoria do desígnio divino traz incoerências muito fortes (Dawkins, 1986).

Figura 2 - Felis catus (gato doméstico).

Explicando a evolução Stearns & Hoekstra (1999) salientam que “para explicar a evolução das histórias da vida, devemos combinar informações de quatro fontes: demografia, genética quantitativa, trocas (tendendo ao equilíbrio) entre desempenho e custo energético e cladística”. A demografia conecta a variação específica de tamanho e de idade à variação do desempenho com relação à sobrevivência e à fecundidade, referindo-se à seleção natural sobre os traços da história da vida. Consideremos, por exemplo, uma população de formigas. A faixa etária “ótima” para a reprodução dessa formiga é X semanas. Porém, se uma doença ou maior pressão de um predador assolar o formigueiro, a resposta evolutiva diminui a faixa etária de reprodução para X-Y (onde Y é o tempo necessário que pode representar dias ou até semanas, para não se extinguir tal população, e é orientado pela seleção natural).

Traços poligênicos quantitativos (alterações nas estruturas dependendo da herdabilidade) relacionam resposta forte à seleção quando há grande herdabilidade. Tal fato é compreendido com a ajuda da genética quantitativa. Um exemplo é dado por Yoo (1980). Conseguiu-se uma resposta muito forte à seleção sobre o número de cerdas abdominais em moscas Drosophila, um traço com grande herdabilidade. Por outro lado (Nordskog, 1977), a seleção sobre a taxa de reprodução de ovos de galinha, um traço de baixa herdabilidade, não obteve sucesso.

Na natureza, os organismos estão susceptíveis ao balanço entre trocas de investimento de energia, uma “economia natural” (Ricklefs, 2003) em que traços morfológicos que demandam grandes quantidades de energia, mas são vantajosos (como a plumagem da cauda do pavão macho necessária no cortejo da fêmea), em troca deixam seus portadores vulneráveis aos predadores (que encontram certa facilidade de ataque, pois a presa possui pouca mobilidade devido à grande massa que a plumagem fornece). Os efeitos filogenéticos são a contribuição dos traços compartilhados por todos os indivíduos de uma espécie ou uma clado.

Cladogramas são árvores filogenéticas que carregam informações em análise (Fig. 3). As representações de árvores filogenéticas baseiam-se, estruturalmente, no princípio de ancestralidade comum que nada mais é do que o cerne da teoria da evolução. A grande importância dessas representações é que podem ser entendidas pelo público em geral de modo mais prático e muito mais simplificado. Podem-se interpretar as árvores evolutivas e usá-las para organização da biodiversidade sem conhecer em detalhes as deduções e o método para inferências filogenéticas.

Uma árvore evolutiva é uma descrição, através de diagramas, das relações entre entidades biológicas conectadas por meio de ancestrais comuns (ancestralidade comum). Tais árvores podem contar a história evolutiva dos vários seres vivos que coexistiram na Terra por mais de quatro bilhões de anos. É possível reconstruir a árvore da vida “galho por galho” a partir de táxons terminais representados pelos galhos finais que se conectam a um único tronco e raízes universalmente compartilhadas (Tosta, 2009).

Figura 03 - representação de um cladograma. Os terminais nem sempre são espécies, podem ser gêneros, famílias ou outros níveis hierárquico (adaptado de Lopes, 2002).

Comentários finais

Segundo os comentários apresentados ao longo desta resenha, podemos analisar um pouco mais profundamente as relações entre organismos recentes e suas origens. Assim, é importante discutir a respeito da real história que se desenrola a luz do evolucionismo impulsionado pela seleção natural (mas não só por ela). Devemos nos ater nas às evidências apresentadas e refutar as teorias que não oferecem respostas concretas às questões sobre as quais nos deparamos cotidianamente. Para se compreender a grandiosidade das belas e eficientes formas que os organismos apresentam, devemos nos lembrar do surgimento do primeiro organismo, os bilhões de anos que o separam dos seus ancestrais recentes, a extrema complexidade morfológica que estes apresentam e ainda os eventos construtores das formas atuais (seleção natural e deriva genética) que os modelaram e os modelam ainda hoje. A reflexão crítica se faz necessária para aceitarmos, definitivamente, a grandiosa complexidade da vida.


Bibliografia:

Antunes, A., Eizirik, E., Johnson, W.E., Murphy, W.J., O’Brien, S.J., Pecon-Slattery, J., Teeling, E., The late iocene radiation of modern Felidae: a genetic assessment, Science, vol. 311, n. 5757, p. 73-77, 2006.
Dawkins, R., O relojoeiro Cego, 1986.
Gregory, T.R., Understandining Evolutionary Trees: Education and Outreach, vol. 1, n. 2, p. 121-137, 2008.
Lopes, S. Bio2, São Paulo, Saraiva, 2002.
Motoyama, S., O Nascimento da Evolução Biológica, Scientific American Brasil, p. 45-53, 2006.
Tosta, L.P., A evolução dos conceitos sobre árvores filogenéticas parte 1, www.evolucaodemetazoa.blogspot.com, 2009.
Ricklefs, A Economia da Natureza, 3a ed., 2006. Ridley, M., Evolução, 3a ed., 2006.
Santos, C.M.D, Os dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para sistemática biológica, Scientia Studia, p. 179-200, 2008.
Scott, G.B.E.C., Manobras mais recentes do criacionismo, Scientific American Brasil Especial- Evolução da evolução, 81, p. 82-89, 2009.
Stearns & Hoekstra, Evolução uma introdução, 1999.

Fonte das figuras:
Figura 01:
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Lockheed_SR-71_Blackbird.jpg
Figura 02:
http://www.mooseyscountrygarden.com/cat-dog-pictures/tabby-cat.jpg

terça-feira, 3 de novembro de 2009

Sobre as infinitas formas de Grande Beleza: Divulgando a evolução dos animais pela internet

Ocorrido entre os dias 21 e 23 de outubro, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, o 1º Salão Nacional de Divulgação Científica foi um evento em comemoração à Semana Nacional de Ciência e tecnologia com o tema "Popularização da Ciência no Brasil". A PUC uniu cientistas, artistas, pensadores, estudantes do ensino médio, graduandos e pós-graduandos para realizarem debates, palestras, atividades culturais e mostra científica, mostrando a preocupação tanto por parte dos organizadores do evento quanto por parte dos próprios participantes em divulgar o conhecimento de uma forma mais abrangente possível.

Dentre todos os trabalhos inscritos, o nosso, sobre divulgação da Biologia pela internet, foi um dos selecionados. Apresentamos os métodos e os resultados do nosso blog de forma oral para uma sala onde estavam presentes pessoas tanto da área de humanas quanto biológicas e exatas, além de algumas que faziam curso técnico.

Justamente pelo público abrangente, foram levantados pontos de discussão que não imaginamos, como a relação do nosso trabalho com a ferramenta usada para divulgação (a internet). Como se sabe, apesar da facilidade que se tem de acessar conteúdo pela internet, ela nem sempre nos leva a materiais fidedignos.

As pessoas que assistiram nossa apresentação levantaram idéias de difícil aplicação em um primeiro momento, porém muito boas. Uma delas foi a de que se todos cientistas fizessem um trabalho de divulgação semelhante, cada um com textos de sua área, poderíamos acabar com a “Wikipédia” (pelo menos do lado científico), onde qualquer pessoa pode fazer seus textos, diminuindo sua confiabili
dade.

Uma das coisas que chamou atenção para o nosso trabalho foi que ele estava diretamente relacionado com o tema de divulgação científica do evento, o que não aconteceu com outros trabalhos apresentados.

Esta oportunidade nos proporcionou um contato maior com pessoas que vinham de todo o Brasil divulgar ciência, além de nos possibilitar interagir e trocar informações com pessoas que estão neste ramo de divulgação há vários anos. Foi enriquecedor compartilhar vivências já adquiridas e adquirir novas técnicas junto a uma comunidade que compartilha os mesmos propósitos.

Segue o resumo do trabalho apresentado:

C. Ciências Biológicas – Biologia - C.2.2. Biologia Evolutiva
Sobre as infinitas formas de grande beleza: divulgando a evolução dos animais pela Internet

Anna Carolina Russo Curbelo Martin, Leandro Pereira Tosta & Charles Morphy Dias dos Santos

INTRODUÇÃO
Um weblog (abreviado comumente para blog) é uma página da web atualizada constantemente, com entradas (postagens) que têm uma data, horário e, se muitos autores contribuírem para o página, selos com autor e nome. As razões para a existência de blogs são muitas: da comunicação científica à tentativa de desmistificar a ciência e de fazer frente ao discurso público anti-científico. Um blog que representa uma comunidade científica ou subdisciplina irá ele mesmo se transformar em uma comunidade. Nesse contexto, foi criado o blog “Evolução de Metazoa” (www.evolucaodemetazoa.blogspot.com), que tem como objetivo principal servir de plataforma para divulgação e discussão dos resultados obtidos em dois projetos PDPD (Pesquisando Desde o Primeiro Dia) da Universidade Federal do ABC, centrados no estudo de aspectos relevantes para a compreensão da evolução dos animais, com ênfase em filogenias baseadas em dados morfológicos, embriológicos e moleculares. O objetivo central é tornar públicos, da sua implantação às suas conclusões, os resultados desses projetos de pesquisa que têm como alvo a divulgação do conhecimento científico acerca da teoria evolutiva e suas ramificações.

METODOLOGIA
O projeto constitui-se de uma revisão bibliográfica comparativa, através da leitura de artigos clássicos e recentes a respeito da biologia evolutiva, seguida da preparação de ensaios de divulgação dos temas propostos, voltados principalmente para alunos do ensino médio, professores de biologia e ciências e alunos de graduação de cursos introdutórios de evolução, zoologia, sistemática e genética. A linguagem utilizada é direta e comunicativa, sem a profusão de termos técnicos, mas procurando não cair na armadilha da superficialização de conceitos. Os textos versam sobre a evolução dos animais em uma perspectiva filogenética, com ênfase na importância de dados moleculares e da biologia evolutiva do desenvolvimento. A partir do levantamento de dados, conceitos e teorias dentro de uma visão abrangente da teoria da evolução dos animais, será possível conectar hipóteses e informações fornecidas por diferentes áreas da biologia em um grande arcabouço histórico-evolutivo a ser divulgado via rede.

RESULTADOS
O trabalho encontra-se em fase inicial, mas alguns dos resultados preliminares já tem demonstrado o impacto e a importância da divulgação da teoria evolutiva para um público amplo, com pouco acesso ao conhecimento científico produzido na universidade, e a crescente abertura da comunidade acadêmica ao uso de ferramentas como blogs e sites. Até o presente momento, foram publicados cinco ensaios (“Breve ensaio sobre circunstâncias modeladoras dos seres vivos”, “Sobre evolução, genes e desenvolvimento”, “A evolução dos conceitos sobre árvores filogenéticas partes 1, 2 e 3”), que receberam comentários de docentes da própria instituição (UFABC) e de outras instituições (como a USP-RP) e que, inclusive, têm sido utilizados em algumas das disciplinas do bacharelado em Ciência e Tecnologia da UFABC, de acordo com as pretensões iniciais do projeto. Os acessos ao blog, medidos pelo Google Analytics, têm demonstrado a fidelização do público e o seu alinhamento aos objetivos do projeto.

CONCLUSÃO
Assim como as revistas de hard-science, blogs são meios para a divulgação de idéias. Para atingirem seus objetivos a contento, ao serem preparados, e independentemente da linha de argumentação ou do assunto, os ensaios em um blog precisam ser construídos e divulgados de forma cuidadosa. A ciência exposta não deve ser complicada e hermética, sob o risco de afastarmos ainda mais o público pouco acostumado a exposições aprofundadas sobre o conhecimento científico. No entanto, não há motivos para que uma postagem em um blog não seja tão zelosa sobre seu conteúdo e forma quanto um texto para uma revista tradicional. Essas diretrizes norteiam os trabalhos no “Evolução de Metazoa”. Blogs não são substitutos da divulgação tradicional (em papel). Eles são ferramentas complementares, que permitem uma dimensão extra para a publicação da pesquisa científica, com recursos que permitem grande dinamismo e um maior alcance para o que é discutido. Como sua utilização tem menos de uma década, a importância dos blogs para a comunidade científica ainda não pode ser analisada em uma perspectiva histórica, mas seu impacto no ensino de ciências pode ser notado por muitos dos que utilizam tal ferramenta.

Instituição de fomento: Universidade Federal do ABC (bolsas PDPD)
Trabalho de Iniciação Científica
Palavras-chave: Blog, Divulgação científica, Evolução