terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Monte e a figueira

Anna Carolina Russo

Universidade Federal do ABC.

Richard Dawkins (nascido em 26 de março de 1941) aprendeu zoologia na Inglaterra e lecionou na Universidade da Califórnia e em Oxford – aposentou-se atualmente da cadeira de compreensão pública da ciência, da Universidade de Oxford. É um grande evolucionista e escritor de divulgação científica, criador de diversos termos como os “memes” e “gene egoísta”. Em seus escritos, Dawkins tenta rebater argumentos fundamentalistas de alguns religiosos para os quais a evolução apresentada por Darwin e aceita pelo meio científico é abusivamente improvável de acontecer.

Em vista de acabar com esses argumentos, Dawkins escreveu seu livro “A escalada do monte improvável: uma defesa da teoria da evolução”, em que são apresentados diversos cenários evolutivos para os animais, incluindo alguns feitos em programas de computadores como o “Netspider”, usados para ver a evolução das teias de aranhas. Seu livro gira em torno de uma metáfora central: uma figueira no alto de um monte. Este monte representaria a evolução de todos os animais, com cada pico representando seu grau de complexidade evolutivo. No cume está localizada a figueira (falaremos sobre ela no final desta resenha).



Logo no primeiro capítulo, Dawkins já insere conceitos como mimetismo, evolução convergente e seleção artificial, todos seguidos de exemplos curiosos presentes na natureza. Um dos mais interessantes, sobre mimetismo, conceito que se refere à forma na qual uma determinada espécie pode evoluir ficando muito parecida a uma outra espécie, fala do besouro Coatonachthdes ovambolandicus. Esta espécie de besouro mimetiza um cupim por viver entre eles – sua “fraude” dá-se através da presença de uma espécie de capa que cobre seu corpo, muito semelhante à do cupim verdadeiro, Amitermes hastatus.


Dawkins explica a evolução convergente através de alguns exemplos de animais que evoluíram independentemente uns dos outros, mas alcançaram resultados parecidos. No capítulo “Alçando vôo”, ele comenta sobre a evolução dos animais até chegarem ao vôo. Alguns animais, como aves, morcegos e pterossauros, conseguiram alcançar os céus de forma independente uns dos outros. O mesmo vale para o formato hidrodinâmico de alguns mamíferos (golfinhos), peixes (como o marlim azul), répteis (como o Ichtiosaurus) e aves (como o pingüim de Galápagos), todos com nadadeiras e uma espécie de bico alongado. Esses atributos foram adquiridos independentemente pois os organismos são de famílias diferentes. Eles já haviam se separado ao longo da história evolutiva, caminhando para picos diferentes do monte Improvável, porém chegando a resultados parecidos.

O homem pode também interferir nessa seleção fazendo com que espécies cheguem a resultados que ele mesmo escolheu consciente ou inconscientemente. Esse é o conceito de seleção artificial. Um exemplo clássico da seleção artificial são as diversas raças de cachorros existentes hoje, que foram selecionadas a partir do cruzamento entre animais com características marcadas. Desta forma, com o passar das gerações, essas características foram se acentuando cada vez mais, até chegar às raças conhecidas.

Caminhos da evolução
Para entender melhor os caminhos tomados pela evolução, cientistas inventaram programas de computadores que aceleram hipoteticamente o desenvolvimento evolutivo das espécies. Da mesma forma que a seleção natural, definida por Charles Darwin como a pressão imposta pela natureza que selecionará os mais aptos, com atributos vantajosos que levam à reprodução diferencial e à perpetuação da espécie, os cientistas programam qual será a condição no qual a espécie virtual continuará a se desenvolver, gerando descendentes. Além disso, é definida uma taxa de mudanças por gerações que seriam as próprias mutações gênicas. No final de muitas gerações, que podem acontecer em uma fração de segundos, os cientistas obtêm como resultado a espécie resultante que seria a mais bem adaptada para perpetuar seus genes.

Esta forma de pesquisa é muito relevante para entender o processo das mutações. Isso porque, através dos estudos com esse tipo de programa, percebeu-se que mesmo com pequenas mudanças nos biomorfos, como são chamados os organismos virtuais, acontecia grandes mudanças ao longo das gerações que foram selecionadas a partir do que o programador estipulou nas condições iniciais. Portanto, se compararmos com a verdadeira evolução dos animais, percebe-se que pequenas mudanças genéticas podem levar a grandes transformações futuras, porém essas mudanças são graduais e levam certo tempo para que se fixar na população pois são passadas através das gerações e selecionadas de acordo com as imposições do ambiente.

Uma grande polêmica que é discutida pelo autor é a questão da aleatoriedade das mutações, isso por que algumas pessoas não conseguem entender como o homem conseguiu chegar à tamanha complexidade (em vários dos seus sistemas) através do puro acaso. Segundo Dawkins, as mutações são aleatórias no sentido de não serem direcionadas para o aperfeiçoamento. No entanto, a seleção natural tem o papel de filtrar e direcionar essas variações genéticas oferecidas pelas mutações. Portanto, se a teoria evolutiva fosse somente sustentada pelas mutações gênicas, ela seria baseada no puro acaso, porém, como ela trabalha juntamente com a seleção natural, ela passa a conter também um componente não aleatório.

Bernard Kettlewell fez uma pesquisa sobre as mariposas pretas e brancas, na qual exemplifica muito bem a relação das mutações e a seleção natural. Kettlewell verificou que existiam mariposas da cor preta e branca que viviam no mesmo ambiente (na Inglaterra pré-revolução industrial). As pretas acabavam sendo mais expostas por não conseguirem se camuflar, sendo predadas mais rapidamente. Isso fazia com que existissem mais mariposas brancas que pretas. Porém, após a revolução industrial, os troncos das árvores passaram a ser mais escuros por conta da poluição, o que facilitou a camuflagem das mariposas pretas. Desta forma as, mariposas pretas conseguiram aumentar sua população em relação às brancas, que começaram a ter mais dificuldades para sobreviver aos predadores. As mutações ocorriam sem um direcionamento específico, já que, em um primeiro momento, existiam tanto mariposas brancas quanto pretas. Mas a seleção natural agiu sobre essa população diversa, fazendo com que fosse direcionada uma característica específica através da sobrevivência diferencial das mariposas pretas.


Macroevolução

Algumas características podem surgir através de mutações inesperadas. Essas macromutações, assim chamadas por Dawkins, podem acelerar ou até mesmo facilitar a “construção” de organismos mais complexos. Um exemplo vem da comparação do número de vértebras das girafas e das cobras: basta uma pequena modificação no embrião em desenvolvimento para quadruplicar o tamanho das vértebras do pescoço de uma girafa, porém ela continua tendo sete vértebras; uma cobra, por sua vez, possui cerca de duzentos a trezentas vértebras, que foram incorporadas ao longo de sua evolução através de alguma macromutação.

É válido notar que a evolução sempre caminhará rumo aos picos do monte e nunca voltará para seus vales para tomar outro caminho. Essa argumentação já fora feita por Sewall Wright e agora é retomada por Dawkins, aliás, a própria metáfora do monte, segundo Dawkins, foi originária de Wright. O que eles querem dizer é que, se um grupo de mamíferos já conquistou a terra a partir da evolução de seus pulmões e se, por algum motivo, alguma linhagem tiver que voltar a viver nas águas, ela não vai voltar a ter brânquias assim como seus ancestrais possuíam. Provavelmente, essa espécie continuará respirando o ar atmosférico através de seus pulmões e para isso nadará até a superfície, como acontece com as baleias.

Apesar de sua teoria ter grandes repercussões, Darwin se intrigava com certas questões de difícil explicação, como a complexidade dos olhos. Causava-lhe arrepios pensar que este órgão chegou a um elevado grau de complexidade por causa da seleção natural. Por isso, Dawkins separou um capítulo só para explicar sobre o mecanismo dos olhos dos animais: a grande maioria evoluiu independentemente. Existem muitos tipos de olhos desde o tipo orifício, como o dos seres humanos, até os olhos compostos de alguns insetos. Ele explica que a evolução dos olhos pode ter acontecido de forma que cada modificação em uma célula fotoreceptora fosse tão importante para a sobrevivência que uma mínima mudança nessa estrutura já tornava aquela espécie mais apta para passar seus genes aos seus descendentes. Isso pode ter levado à alterações significativas do olho ao longo das gerações.


A figueira

Onde a figueira se encaixa nas explicações sobre a evolução?

O figo, na verdade não é uma fruta, apesar de sempre olharmos ela como tal. Ele é uma inflorescência (conjunto de flores), assim como o girassol não é uma única flor, mas sim um conjunto delas localizadas em seu centro. As flores do figo estão posicionadas em seu interior – estas flores são polinizadas por vespas que chegam ao seu interior através de um orifício na extremidade inferior do figo. Dawkins considera a relação entre o figo, ou o “jardim murado” assim chamado por ele, e a vespa como o ponto mais alto da realização evolutiva. Isso porque o relacionamento entre eles envolve uma dura e árdua tarefa de polinização por parte das vespas, que leva a sua mutilação e a caminhos tortuosos a serem enfrentados. Apesar de tudo, essa relação não envolve deliberação e nem qualquer tipo de inteligência, pois a vespa possui um minúsculo cérebro e a figueira não tem nada parecido com um. Para Dawkins “tudo isso é produto de um ajuste fino darwiniano inconsciente em cuja intrincada perfeição não deveríamos crer se não estivesse diante de nossos olhos”.


Bibliografia:
Dawkins, R, A escalada do monte improvável: uma defesa da teoria da evolução, 2006.


Fonte das figuras:
Fig. 01: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgOTUpfpUYu45WSHB7FTBd78gxU4rk2mcyY7hY8TrrVswvAbK00VC0JDCBWZH3B9hbEwI2dhruCeVqzIfisVV5LWydn5iGAyWorkUJhgBmfgqzFfSLE-LYrTHAR62Q8v4idGJ_1hErKeoo/s400/P%25C3%25B4r%2520do%2520sol%2520e%2520montanhas.jpg
Fig. 02: https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEju84k8-obChytOvA33Z8Kdp7PAilf25U1g__tiR0lLhVbDerw17_-lrQerKWkq0DSYFYlys34EUEY235C0-sOpl6BgLjKyQ1d37c81k9R_cUj-co7fQ8V4sOhy7LUb-ntVre96hkni7Trc/s400/Morcego+-+Asas.jpg
Fig. 03: http://www.petpetisco.com/upload/useruploads/images/Raças+de+cachorros.jpg
Fig. 04: http://bellsblog.files.wordpress.com/2009/05/figo.jpg

Um comentário:

  1. Muito bom Anna! Considero esse texto muito adequado para divulgação científica. Na aula de práticas de ensino tive que selecionar um blog que usaria na sala de aula. Recorri a essa página.
    O texto está elaborado de forma clara e precisa, no entanto, mantém uma linguagem que pode ser facilmente entendida por leigos.
    Muito bom para sanar dúvidas para evolução e para auxiliar na aprendizagem de adolescentes que dificilmente tem interesse em ler os livros de Dawkins.

    Parabéns pelo trabalho.

    Bjo

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