sexta-feira, 28 de agosto de 2009

A evolução dos conceitos sobre árvores filogenéticas - parte 2

por Anna Carolina Russo
Universidade Federal do ABC
e-mail: annacarolinarcm@gmail.com

Resumo:
Após Charles Darwin ter definido o conceito de evolução e descendência ,esses conceitos foram desenvolvidos, chegando até aos cladogramas que conhecemos hoje. Esse ensaio tem por intenção explicar os tipos de árvores juntamente com seus conceitos para que se possa abstrair o máximo de informação da análise eu um cladograma.
Palavras-chave: árvore filogenética, Charles Darwin, cladograma, clado, filogenia.

"A distinção entre passado, presente e futuro é apenas
uma ilusão teimosamente persistente"

Albert Einstein

Entender a ciência e tudo que se conhece hoje não se limita somente ao estudo da física, matemática, biologia e química. Para termos uma maior compreensão do porquê um determinado conhecimento se desenvolveu, temos que estudar o contexto histórico daquela descoberta. Por exemplo, entender somente fissão nuclear e reação em cadeia seria diferente de entender seu contexto histórico. Saberíamos que, durante a Segunda Guerra Mundial, o físico alemão Albert Einstein e colegas sabiam que os nazistas estavam desenvolvendo uma bomba tão poderosa capaz de destruir uma cidade inteira. Nesse contexto,o presidente dos Estados Unidos financiou um projeto para que muitos cientistas e pesquisadores, juntamente com Einstein, pudessem concluir a bomba atômica antes dos nazistas. Portanto, além de fissão nuclear e reação em cadeia, junto com o contexto histórico (a Segunda Grande Guerra ) seria estudado o átomo, a famosa fórmula Einstein (E=m.c²), interações nucleares, etc.

Como poderíamos estudar o contexto histórico em termos de biologia evolutiva, sendo que o homem não estava presente desde a origem da vida e durante a maior parte da sua história?

Para isso, foram desenvolvidas ferramentas como a representação da evolução através deárvores filogenéticas (presentes, por exemplo, nos cadernos de Charles Darwin de 1837). A árvore filogenética, conhecida também como cladograma ou árvore evolutiva (evolutionary trees) tenta mostrar as relações de parentesco entre as esp
écies que tem um ancestral comum. Essa representação é um diagrama que apresenta as relações entre grupos-irmãos, a partir das quais podemos interpretar a evolução desses grupos. O mau entendimento dela pode prejudicar a compreensão dos padrões e processos que ocorrem na história evolutiva da biodiversidade.

Um cladograma pode fornecer os padrões evolutivos de uma espécie, mesmo que seu observador pouco entenda sobre o assunto. Porém, alguns leitores podem se equivocar em sua interpretação. Por isso, iremos discorrer ao longo dos próximos ensaios formas básicas de interpretação de uma árvore filogenética.

Para começar, é preciso lembrar dos tipos de transmissão gênica , que podem ser de modo horizontal ou vertical, isso porque se comparamos os genótipos de duas espécies e eles forem semelhantes, isso significa que eles tem um relação próxima de parentesco. O cladograma se baseará principalmente na evolução vertical, ou seja, na transmissão gênica de um ancestral comum para seus descendentes, que podem divergir.

A árvore filogenética segue de forma cronológica na qual normalmente (mas não sempre) se estende da esquerda para direita ou de baixo para cima
, sendo que primeiro nó seria o ancestral em comum para todos presente naquela árvore (1) e cada nó interno (2, 3, 4 e 5) seria um ancestral comum para todos aqueles que se ramificarão a partir daquele ponto, por fim, cada ramo final seria um táxon terminal (A a F). O mais importante em uma árvore é que se pode girar os nós sem alterar a descendência (Figura 1).Figura 1: Cladograma mostrando que o ato de girar os nós não altera as relações de parentesco.

Com o desenvolvimento do cladograma, agora podemos identificar os clados ou também chamados grupos monofiléticos, que são os grupos de
espécies mais inclusivas, ou seja, o grupo que possuem um mesmo ancestral comum e todos os descendentes desse ancestral (A e B, D e E).

Algumas árvores podem conter informações como o grau de divergência de uma espécie, que será representado por meio do comprimento de seus r
amos, ou seja, quanto maior o ramo, maior será a divergência (Figura 2).
Figura 2: Exemplo de árvore evolutiva representando que, quanto maior os ramos, maior a quantidade de divergências.

Há ainda algumas árvores que fornecem informações sobre a distribuição geográfica ou ecológica de um grupo de espécies (Figura 3). Este tipo de árvore não é um cladograma e pode não fornecer informações explícitas sobre os padrões de ramificação de espécies individuais. Elas normalmente são desenvolvidas com base em outros dados que permitem uma visão geral da história de uma linhagem.
Figura 3: Árvore evolutiva representando informações ecológicas e cronológicas (retirado de Gregory, 2008).

Referências
Gregory, T.R. Understanding Evolutionary Trees. Evolution: Education and Outreach, vol. 1, n. 2, p. 121-137, 2008.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A evolução dos conceitos sobre árvores filogenéticas - parte 1

por Leandro Pereira Tosta
Universidade Federal do ABC
e-mail: leandropereiratosta@gmail.com

Resumo: A necessidade e o instinto humano em classificar os objetos em seus meios levaram-o a desenvolver ferramentas cada vez mais úteis e práticas. O surgimento da sistemática biológica faz uso intenso de árvores evolutivas. Este breve ensaio traz uma base histórica e visa orientar o manuseio e utilização desta técnica.
Para melhor compreensão, o trabalho será postado em três partes.
Palavras-chave: árvore, evolução, filogenética, molecular.

"Para ser um bom observador é preciso ser um bom teórico"
Charles Darwin em Origem das espécies (1859)

O ato de classificar é bastante antigo, profundamente relacionado ao desenvolvimento social do homem, e normal no cotidiano de bilhões de pessoas.

No entanto, não há registros que comprovem com exatidão o surgimento da sistemática em nosso meio como recurso importante para o desenvolvimento da humanidade.

Desde as classificações dicotômicas do filósofo grego Aristóteles, o homem vem criando formas para a classificação (sistemática) de seres vivos para melhor entendimento e compreensão dos mesmos. Esse fato ultrapassou a barreira do tempo e permanece ente nós em áreas tão distintas quanto a classificação de partículas subatômicas de Max Planck ou a classificação biológica moderna do entomólogo Willi Hennig.

Especificamente na biologia, qual a ferramenta mais propícia para ser usada para classificar os organismos?

Charles Darwin considerava o uso da metáfora da árvore da vida como um importante princípio de organização para o entendimento dos conceitos de descendência com modificação. Anteriormente, Lamarck já fazia uso de estruturas similares para representação do “aumento de complexidade” dos organismos no decorrer dos tempos.

Hoje as árvores evolutivas (também conhecidas como árvores filogenéticas) são resultado de rigorosas análises com base em dados moleculares, morfológicos, de desenvolvimento e outros, na buscam pela reconstrução da história das espécies.

As representações de árvores filogenéticas baseiam-se, estruturalmente, no princípio de ancestralidade comum que nada mais é do que o cerne da teoria da evolução. A grande importância dessas representações é que podem ser entendidas pelo público em geral de modo mais prático e muito mais simplificado. Podem-se interpretar as árvores evolutivas e usá-las para organização da biodiversidade sem conhecer em detalhes as deduções e o método para inferências filogenéticas.

Uma árvore evolutiva é uma descrição, através de diagramas, das relações entre entidades biológicas conectadas por meio de ancestrais comuns (ancestralidade comum). Tais árvores podem contar a história evolutiva dos vários seres vivos que coexistiram na Terra por mais de quatro bilhões de anos. É possível reconstruir a árvore da vida “galho por galho” a partir de táxons terminais representados pelos galhos finais que se conectam a um único tronco e raízes universalmente compartilhadas.

A formação de novas linhagens dá-se no passar do tempo, refletindo modificações do conteúdo genético pelos quais passam os organismos que se distanciam do ancestral do ancestral comum, que são repassadas, com outras possíveis modificações, aos seus descendentes. Assim, o compartilhamento genético no ato da reprodução aliado à potenciais mutações são os meios que levam à formação da “árvore da vida”.

Entretanto, é preciso ter cuidado nas análises de genes porque, na maioria dos casos, “árvores genéticas” e “árvores de espécies” não são equivalentes. Isso acontece porque a história individual dos genes não segue os meios pelos quais as espécies enfrentam as adversidades que os mais diferentes ambientes podem apresentar.

Deve-se ficar claro que é complicado estabelecer “datas filogenéticas” com precisão para árvores evolutivas. As reconstruções filogenéticas se baseiam em hipóteses com base, mais modernamente, em dados moleculares, não em calendários.

Figura: estrutura de uma árvore evolutiva. “F” é o grupo-externo; os nós internos (1, 2, 3, 4) indicam a existência de ancestrais comuns; os táxons terminais (A, B, C, D, E, F) são as representações dos organismos (espécies) (modificado de Gregory, 2008).

Referências bibliográficas
- Gregory, T.R. Understanding Evolutionary Trees. Evolution: Education and Outreach, vol. 1, n. 2, p. 121-137, 2008.
- Motoyama S. O Nascimento da Evolução Biológica, Scientific American Brasil, p. 45-53, 2006.
- Santos, C.M.D. Os Dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para sistemática biológica. Scientiae Studia, p.179-200, 2008.
- Stix, G. O Legado Vivo de Darwin. Scientific American Brasil Especial - A Evolução da Evolução, p. 26-31, 2009.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Sobre evolução, genes e desenvolvimento

por Anna Carolina Russo
Universidade Federal do ABC
e-mail: annacarolinarcm@gmail.com


Resumo
Durante a história da ciência, o conceito de evolução foi se modificando gradualmente. O texto discorrerá brevemente sobre tais modificações desde seu ponto de partida, com Lamarck, passando por Darwin, principal nome do evolucionismo, até chegar às teorias atuais que unem embriologia, desenvolvimento e paleontologia.
Palavras-chave: Darwin, evo-devo, evolução, ontogenia, genes.

Ao longo da história o conceito de evolução foi se modificando gradativamente. Um dos primeiros a discutir sobre o assunto foi o francês Jean-Baptiste de Lamarck, que lançou sua teoria da evolução no auge do Iluminismo na Europa. Em sua teoria estava descrito que os animais modificavam partes de seu corpo através do uso contínuo. Quanto mais se utilizava determinado órgão, mais ele se desenvolvia. Essa nova característica seria passada, a partir de então, para seus descendentes. Essa visão de Lamarck sobre as espécies foi de extrema importância ao propor uma perspectiva alternativa às visões criacionistas que estavam estagnadas, porque, apesar de Lamarck também ser um criacionista, via a possibilidade de mudanças nas espécies. O estudo das alterações entre as espécies antes não era feito pelos naturistas, mais preocupados somente em classificá-las.

Em meados do século XIX, Darwin e Wallace surgiram com a teoria da evolução, a qual diz que essas mudanças nas espécies não surgem pelo uso e desuso de órgãos, mas sim naturalmente, perpetuando-se através da seleção natural. A seleção natural é uma condição imposta pelo meio, submetendo as espécies a um processo de “filtragem” no qual os organismos mais aptos sobrevivem e podem passar suas características aos seus descendentes. Mais tarde, com o conhecimento da biologia molecular a partir de 1930, os cientistas puderam corroborar essa teoria, complementando que as características eram mantidas nos descendentes através da passagem de seu material genético, e que as modificações surgiam a partir de mutações e recombinações desse material genético.

Hoje se sabe que esse material pode ser passado de duas maneiras: uma na qual ele é transmitido do ancestral comum para seus descendentes no sentido genealógico (evolução vertical), como pode ser visto na árvore da vida esboçada por Darwin em seu livro “A Origem das Espécies”, em 1859; e outra em que pode acontecer a migração de parte do material genético entre indivíduos que se localizam em uma mesma “fatia” de tempo, como ocorre entre as bactérias na base da árvore da vida, de forma horizontal, ou seja, no mesmo período cronológico (transferência horizontal).

Nesse sentido, evolução corresponde às modificações de
uma população ao longo da história, tendo sempre em visita um ancestral comum e seus descendentes.

Como já foi dito, o salto da evolução para seu grande reconhecimento como teoria que explica o mundo vivo deu-se com o aparecimento da biologia molecular, que teve seu início com a descoberta do DNA por Watson e Crick. Desta forma, a ciência conseguiu fundamentar as teorias de Darwin e Wallace, pois antes não sabia como aparecia a diversidade das espécies. Como poderiam existir espécies de pássaros com bico mais alongado e outras com bico mais curto? Com essa descoberta da estrutura do DNA e do gene pode-se afirmar que essas modificações aconteciam ao longo do tempo através de mutações genéticas que causassem modificações fenotípicas viáveis para vida. Hoje se sabe que essas mudanças muitas vezes não são no filamento de DNA em si, mas sim nos fatores de transcrição expressos por determinados genes, que servirão de “interruptor” para dizer qual parte do filamento será transcrito. Mudanças nesses fatores de transcrição podem causar mudanças no fenótipo das espécies, o que levará a variedade entre as populações descrita por Darwin.

Algumas vezes essas mudanças genéticas podem afetar o desenvolvimento de certas espécies, quando, por exemplo, atingem genes homeóticos. Estes tipos de genes estão interligados com outros genes responsáveis pela codificação de expressões fenotípicas de um animal tais como a segmentação e o aparecimento de apêndices locomotores. Dessa forma, uma mutação em um gene homeótico pode levar a mudança de seu fenótipo, que, por sua vez, pode ter conseqüências na expressão de outros genes que não sofreram a mutação.

O desenvolvimento de um indivíduo, ou ontogenia, se dá através das alterações morfológicas que ele sofre durante sua vida. Podemos citar a ontogenia de uma borboleta, que começa com a fusão de gametas formando um zigoto, que formará um embrião, passando por sucessivos estágios de larva que se tornará uma pupa até se transformar em um adulto. Uma mutação em um gene que altere algum estágio desse desenvolvimento poderá levar a grandes mudanças em seu estágio final. Dependendo do grau dessa alteração, o organismo pode tornar-se inviável à vida (nesse contexto devemos entender as restrições de desenvolvimento).


Restrição de desenvolvimento acontece quando há uma mutação que não é viável à vida. Isso acontece porque o gene mutado provavelmente tinha ligação com outros genes, influenciando a expressão dos mesmos. Por exemplo, em um inseto, se um gene homeótico “A” que expressa apêndices torácicos, asas e segmentação sofrer uma mutação, levando à expressão de quatro ao invés de três pares de apêndices locomotores. Provavelmente essa mutação alterará a expressão das outras características que também relacionadas ao mesmo gene, tornando o organismo inviável à vida. Isso porque o fator de transcrição que daria início à codificação de determinado gene, também serviria de “interruptor” para os genes que transcrevem a antena, asas e segmentação. A modificação de um gene pode alterar a expressão de uma série de características.

A análise do desenvolvimento nos permite compreender a evolução das espécies por outra perspectiva, isso porque a biodiversidade decorre em grande parte por mudanças em genes que afetarão seu desenvolvimento. O estudo dessa frente da biologia é conhecida como “evo-devo”, ou biologia evolutiva do desenvolvimento, que segundo o evolucionista Sean B. Carroll “possibilitam grandes revelações sobre os genes invisíveis e algumas regras simples que moldam a forma e a evolução animal”.

Referências bibliográficas
- Carroll, S.B. Infinitas formas de grande beleza: como a evolução forjou a grande quantidade de criaturas que habitam o nosso planeta. Editora Jorge Zahar, 2005.
- El-Hani, C. N., Meyer, D. A evolução da teoria Darwiniana. Scientific American Brasil Especial - Especial História da evolução, 2007.
- Motoyama, S. O nascimento da evolução biológica. Scientific American Brasil Especial - Especial História da evolução, p 45 – 53, 2007.

Breve ensaio sobre circunstâncias modeladoras de seres vivos

por Leandro Pereira Tosta
Universidade Federal do ABC
e-mail: leandropereiratosta@gmail.com

Resumo
Os meios que levam a origem ou a extinção de várias espécies de seres vivos podem ser classificados em eventos aleatórios ou dirigidos por seleção natural. Este breve ensaio enfatiza o processo aleatório, ou seja, aquele que não é conduzido pela seleção natural, para formação de linhagens biológicas ao longo da história terrestre.
Palavras-chave: acaso, aleatório, bactérias, Darwin, evolução, seleção natural.

“Essa é uma visão grandiosa da vida”
Charles Darwin em Origem das Espéc
ies (1859)

Sobre a história
O decorrer da vida sobre a terra deve ser considerado como uma grande sucessão de eventos que moldam grupos de organismos no tocante à evolução, não relacionad
os somente à seleção natural. Deve-se ponderar que nem sempre alterações no padrão original apresentado por um grupo de seres vivos são benéficas e repassadas aos descendentes por meio de reprodução. É, portanto, de extrema importância analisar que grande parte dos eventos alteradores do “estrato” natural de uma parcela de organismos é meramente aleatória.

Charles Darwin já previa, em “A Origem das Espécies”, que processos diferentes da seleção natural eram também responsáveis pela formação físico-química que um organismo poderia apresentar. Infelizmente, o frenesi criacionista aponta tais processos como pertencentes a um “toque divino”, um “design inteligente”. Porém, é sabido que a afirmação de Darwin diz respeito a processos não convencionais que podem modificar o meio em que um grupo de organismos esteja inserido e, consequentemente, o modo de vida dos mesmos.

Para fins didáticos, é válido citar um pequeno exemplo. Têm-se vários indivíduos de uma espécie de formigas em um determinado local. Caso venha faltar recursos para manutenção dos formigueiros, é de se esperar que os organismos que possuírem características vantajosas no tamanho, na organização social ou que apresentem estruturas mais bem desenvolvidas, sejam selecionados, procriem e promovam a dispersão de descendentes possuidores de características semelhantes às dos mais bem adaptados.

Entretanto se, ao acaso, houver uma inundação que assole vários formigueiros, independentemente das formigas possuírem estruturas mais bem adaptadas à região, aquelas que tiverem seus formigueiros construídos em partes mais altas, tendem a sobreviver.

A posição do homem
Desde a “explosão do Cambriano”, 530 milhões de anos atrás, a diversidade biológica tem aumentado em decorrência de processos climáticos e/ou geológicos essencialmente aleatórios. É um “rude vício” tentar classificar linearmente os seres vivos, como fazia o naturalista do século XVIII Buffon e especialmente autores anteriores a ele,
colocando o ser humano no topo da cadeia. Não se deve pensar na evolução como um processo que apenas direcione o ser vivo para condições de aumento de complexidade, considerando o homem como ápice evolutivo.

Hoje se sabe que o mundo é dominado por bactérias. Não há nenhuma outra criatura tão resistente e versátil que apresente tantos habitats e nichos ecológicos a ponto de ser encontrada em quase todos os ambientes. O evolucionista S.J. Gould, em seus artigos, lembra-nos que há mais indivíduos bacterianos presentes no intestino humano do que a somatória da quantidade total de humanos que já habitaram a terra. Assim, diferentemente dos que é ensinado nas escolas, em que se convenciona posicionar o homem como o mais evoluído dos organismos, o ser humano é apenas uma parte, muito sensível, dos seres vivos terrestres que sobreviveram a eventos, por muitas vezes aleatórios, que poderiam ter levado seus ancestrais à extinção. O que difere o homem dos muitos outros seres vivos encontrados na atualidade é a presença de consciência, que talvez seja mesmo obra do acaso.

É importante ressaltar que não existe uma progressão linear no decorrer da história da vida. Muitos dos acontecimentos, tais como a formação de seres pensantes, são decorrentes de processos aleatórios e sem a participação da seleção natural. Deve-se também criticar de forma racional as concepções errôneas de que os seres humanos são organismos mais bem inseridos no meio natural do que outros e que a origem de novas espécies é previsível e ordenada de modo linear em um caminho único de otimização evolutiva.

Agradecimento
Agradeço ao doutor e amigo Charles Morphy Dias do Santos (UFABC) e à doutora Ana Carolina Santos de Souza Galvão (UFABC) pelas substanciais motivações e apoio técnico. Agradeço também ao incentivo universitário PDPD, concedido na forma de bolsa, para o desenvolvimento deste ensaio.

Referências bibliográficas
-Gould,S.J. A imprevisível e fortuita evolução da vida. Scientific American Brasil, Especial - História da Evolução, p. 64-75; 1998.
-Santos, C.M.D. Os Dinossauros de Hennig: sobre a importância do monofiletismo para sistemática biológica. Scientiae Studia, 6(2), p. 179-200; 2008.
-Scott, G.B.E.C. Manobras mais Recentes do Criacionismo. Scientific American Brasil Especial - A Evolução da Evolução, 81, p. 82-89; 2009.
-Stix, G. O Legado Vivo de Darwin. Scientific American Brasil Especial - A Evolução da Evolução, 81, p. 26-31; 2009.

Pesquisando Desde o Primeiro Dia

Meus caros,

Esse blog tem como objetivo servir como plataforma de divulgação e discussão dos resultados obtidos em dois projetos PDPD (Pesquisando Desde o Primeiro Dia) da Universidade Federal do ABC, ambos sob minha orientação.

Aqui serão postados ensaios e material produzido por Anna Carolina Russo e Leandro Pereira Tosta, alunos do Bacharelado em Ciência & Tecnologia da UFABC. Ambos estão se debruçando sobre aspectos relevantes para a compreensão da evolução dos Metazoa (animais), com especial ênfase em filogenias baseadas em dados morfológicos, embriológicos e moleculares.

O projeto de Anna Carolina Russo intitula-se "Sobre as infinitas formas de grande beleza: introdução à evo-devo para o estudo da evolução dos animais". Segue um breve resumo: "A evo-devo estuda como evoluiu o desenvolvimento e como as modificações do desenvolvimento afetaram as mudanças evolutivas. Conceitos relacionados à embriologia, desenvolvimento e genética têm sido utilizados em conjunto com a paleontologia para se compreender a evolução de estruturas e de grupos taxonômicos, especialmente entre os animais (Metazoa). Um projeto de revisão de uma área abrangente como a evo-devo permitirá o levantamento de dados, conceitos e teorias dentro de uma visão abrangente da teoria da evolução, com especial ênfase na origem e diversificação dos animais nos últimos 600 milhões de anos. Com isso, será possível conectar hipóteses e informações fornecidas por diferentes áreas da biologia em um grande arcabouço histórico-evolutivo. Esse projeto tem como objetivo a síntese de informações a partir da análise de diferentes hipóteses filogenéticas para os Metazoa que utilizem dados de biologia evolutiva do desenvolvimento."

O projeto de Leandro Pereira Tosta intitula-se "Genes, animais e evolução: sobre o uso de dados moleculares em filogenias de Metazoa". Segue o resumo: "A sistemática filogenética introduziu na sistemática biológica a perspectiva de que a descendência com modificação é a causa dos padrões reconhecidos no mundo natural. Atualmente, ela tem sido beneficiada pelo uso de seqüências moleculares, visto que há um conjunto gigantesco de informação filogenética no DNA. Esses caracteres têm a possibilidade de transcender a morfologia dos organismos, permitindo o exame dos organismos no nível dos genes e dos produtos gênicos, o que é muito relevante no discernimento entre hipóteses filogenéticas incongruentes, especialmente quando se trata de filogenias de Metazoa (animais). Este projeto tem como objetivo a análise comparativa de diferentes propostas de filogenias de Metazoa, obtidas via seqüências moleculares, o que permitirá circunscrever problemas da utilização de dados moleculares em filogenias, benefícios do uso dessa classe de dados e de que forma a sistemática molecular pode auxiliar na resolução de várias das questões que ainda pairam acerca da evolução dos animais".

Charles Morphy D. Santos
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Professor Adjunto de Biologia Evolutiva e Comparada dos Animais
Centro de Ciências Naturais e Humanas
Universidade Federal do ABC